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'Partido será forte se evitar perseguir ganho imediato', diz brasilianista

Por Luciana Nunes Leal
Atualização:

RIO - As crises por que passam governo e PT não são motivo para o PSDB deixar de lado “princípios e estratégias” e “buscar ganhos táticos imediatos”, diz o pesquisador americano Peter Hakim, presidente emérito do instituto de análise política Inter-American Dialogue, com sede em Washington.

Hakim diz não entender por que grande parte dos tucanos embarcou na tese do impeachment da presidente Dilma Rousseff com tanta dedicação. “É um mistério para mim. O impeachment irá danificar o PT, mas provavelmente não vai beneficiar muito o PSDB. Sob praticamente qualquer cenário que imagino, o PMDB será o principal beneficiário de um impeachment.”

'Partido será forte se evitar perseguir ganho imediato', dizPeter Hakim, presidente emérito do instituto Inter-American Dialogue Foto: Divulgação

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No esforço para se firmar na oposição, o PSDB vai contra ideias que defendeu. Votou contra o ajuste fiscal, a favor do fim da reeleição, instituída no governo do PSDB, e por mudanças nas regras que adiaram a aposentadoria. O partido pode pagar um preço alto por ir contra alguns pontos que sempre pregou?

Sempre foi difícil para mim distinguir o PSDB da pessoa de Fernando Henrique Cardoso, seu fundador, líder intelectual, e seu único candidato presidencial vitorioso. Sob a influência de FHC, o PSDB foi desde o início um partido de ideias. As ideias não eram fórmulas rígidas, mas alguns princípios gerais semelhantes à social-democracia europeia. De acordo com a abordagem de FHC, os princípios não eram uma receita ou uma fórmula, mas sim um quadro ou guia que teve de ser ajustado às necessidades da sociedade brasileira, onde a sociedade está, aonde deve chegar e em que ritmo. A posição atual do PSDB no Congresso deixa o partido dividido entre aqueles comprometidos com ideias e princípios como uma estratégia de longo prazo e aqueles que estão buscando vantagens táticas de curto prazo. Meu ponto de vista é que o partido será mais forte e mais competitivo se mantiver princípios e estratégia e evitar perseguir ganhos táticos imediatos. Se escolher a segunda opção, o partido vai ser definido por sua oposição. Vai tornar-se o partido anti-PT, como a oposição ao chavismo na Venezuela, ou ao peronismo na Argentina, ou ao PRI no México. A menos que deixe claros sua doutrina e os procedimentos que pratica, o PSDB pode ter dificuldade em ganhar eleições no futuro e irá se tornar menos relevante.

A estratégia de fazer oposição pela oposição, para prejudicar o governo fragilizado, dá resultado?

A estratégia da oposição pela oposição não é de forma alguma uma estratégia. Ela deixa os movimentos e partidos políticos presos à estratégia daqueles a quem se opõem. Na América Latina, hoje, muitos países são governados por líderes enfraquecidos, com muito baixa popularidade - Chile, México, Venezuela, Argentina, Peru -, contudo partidos da oposição têm sido incapazes de tirar proveito dessas fraquezas. O PT tornou-se mais eficaz, e Lula finalmente conquistou a Presidência, não por causa da intensidade da sua oposição, mas porque ele moderou suas posições e transmitiu a sensação de que iria governar sem anular os avanços dos oito anos de FHC. 

O PSDB não teve posição clara sobre o impeachment da presidente Dilma Rousseff. Como o senhor vê essa posição do PSDB em relação ao impeachment?

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É um mistério para mim por que o PSDB - ou um segmento importante dele - tornou-se tão enfático e insistente sobre a questão do impeachment. Sim, o impeachment irá prejudicar o PT, mas provavelmente não irá beneficiar o PSDB muito. Sob praticamente qualquer cenário que posso imaginar, o PMDB será o principal beneficiário de um impeachment. Ele provavelmente vai surgir como um partido que não só mantém substancial o poder legislativo e local, mas que pode competir seriamente à Presidência. Se isso é correto, o PSDB poderia ter que enfrentar o PT e o PMDB na disputa presidencial de 2018. Isso não seria um bom resultado para o PSDB. 

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso alertou o partido de que o impeachment não deve ser apenas bandeira política e que não pode ser defendido sem que exista um fato concreto contra a presidente. Na sua avaliação, falta unidade ao PSDB? Ou o senhor acredita que divergências internas são naturais em qualquer partido?

Claro que há divergências em cada partido. Embora eu não acredite nisso, aqueles que propõem impeachment estão certos de que a melhor estratégia política é tentar desacreditar totalmente o PT e sua liderança. Argumentos semelhantes foram usados para justificar o assassinato de Julio César em Roma e hoje são defendidos por muitas figuras da oposição na Venezuela e na Argentina. Minha intuição é de que esta não será uma abordagem eficaz no Brasil mais do que foi em Roma ou será na Venezuela ou Argentina. 

Como o senhor vê a liderança do presidente do PSDB, Aécio Neves? Ele teve 48% dos votos na eleição presidencial. Conseguiu preservar este patrimônio?

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Aécio se mostrou um político eficaz e quase foi eleito presidente. Eu estava no Brasil durante todo o mês de outubro do ano passado e fui francamente surpreendido pela forma como seu programa era semelhante ao programa do PT. Sim, houve diferenças, mas nada como o enorme fosso entre republicanos e democratas nos EUA; ou a direita e a Concertación no Chile. Não há nenhuma boa razão para o PSDB mudar sua agenda básica. O melhor caminho para Aécio é ficar com o programa que lhe trouxe 48% dos votos. O PSDB perdeu quatro eleições consecutivas, mas os princípios básicos e a moderação do PSDB estão ganhando mais força, como resultado do progresso que o Brasil fez em direção a uma sociedade de classe média pagadora de impostos e das falhas claras do PT. Seria um erro para Aécio mudar de rumo radicalmente. O PT danificou a própria imagem, os manifestantes de 2013 e deste ano foram para as ruas por causa de erros do PT e seu fraco desempenho, não por causa de campanhas anti-PT feitas pelo PSDB. Apenas confrontar e criticar o PT ou a presidente Dilma Rousseff não trará ganhos ao PSDB. 

Que caminho o senhor acha que o PSDB deve seguir daqui para a frente?

Acho que o PSDB deve ficar com os seus princípios e propostas políticas fundamentais e evitar o uso de seus recursos e energia para enfrentar o PT. Deve também expandir e diversificar suas lideranças. O partido hoje depende muito fortemente de um pequeno grupo de membros “seniores” como FHC, Aécio, o senador José Serra e o governador Geraldo Alckmin. O PSDB pode precisar de uma transformação geracional. Na minha opinião, não precisa de uma revisão drástica de sua ideologia ou estratégia. 

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Ao mesmo tempo em que o PSDB abandona algumas bandeiras, a presidente Dilma Rousseff tenta implementar um ajuste fiscal nos moldes defendidos antes pelos tucanos e enfrenta resistência no próprio PT. O PMDB se beneficia destas contradições dos dois partidos?

O PMDB é tremendamente paciente. Está esperando a autodestruição do PSDB e do PT, os dois partidos brasileiros que têm políticas sérias e maior chance de eleger um presidente em 2018. O PMDB tem uma chance maior em eleições em que não há muito debate de ideias e de propostas.

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