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Parecer da AGU defende anistia a crimes de tortura

Exceção constitucional a casos de tortura não valeria porque Lei da Anistia é anterior à Carta

Por Felipe Recondo
Atualização:

Parecer da Advocacia-Geral da União (AGU) sobre punição de militares acusados de tortura durante o regime militar confrontou posição do Ministério da Justiça e da Secretaria Especial de Direitos Humanos. No documento, a AGU defende que crimes políticos ou conexos praticados na ditadura, incluindo a tortura, foram todos perdoados pela Lei da Anistia, de 1979. A posição da AGU é uma derrota do ministro da Justiça, Tarso Genro, e do secretário Paulo Vannuchi. Ambos argumentavam que a lei não poderia anistiar crimes de tortura, assassinato e desaparecimento de pessoas. Sai vitorioso nessa discussão o ministro da Defesa, Nelson Jobim, contrário à rediscussão da Lei da Anistia. O parecer da AGU foi anexado ao processo aberto na Justiça de São Paulo a pedido do Ministério Público (MP) contra dois ex-comandantes do Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) - os coronéis reformados do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra e Audir Santos Maciel, acusados de violações aos direitos humanos, como prisão ilegal, tortura, homicídio e desaparecimento forçado de pessoas durante o regime militar. A argumentação da União no processo deve se repetir na ação ajuizada terça-feira pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Supremo Tribunal Federal (STF). A OAB questiona se a Lei da Anistia e a interpretação de que teria apagado os crimes considerados políticos, incluindo assassinatos, estaria de acordo com os preceitos da Constituição de 1988. Mais uma vez a AGU terá de se posicionar sobre o assunto. Na ação do MP em São Paulo, os procuradores seguem a mesma linha da OAB. Argumentam que a lei não beneficia crimes de tortura, homicídio e desaparecimento forçado - quando a pessoa some e sua morte não é confirmada. Ressaltam que a Constituição, no Artigo 5º, trata o crime de tortura como inafiançável e insuscetível de anistia. Os advogados da União rebatem, lembrando que a Lei da Anistia é anterior à Constituição. Por isso, os efeitos do artigo constitucional que veda a anistia a torturadores não valeriam para os crimes cometidos anteriormente, durante o regime militar. "Assim, a vedação à concessão de anistia a crimes pela prática de tortura, prevista na Constituição Federal de 1988, não poderá jamais retroagir para alcançar a Lei nº 6.683, de 28/08/1979, tendo em vista o princípio constitucional da irretroatividade da Lei Penal (...), excetuando-se a única possibilidade no caso de beneficiar o réu", ponderam os advogados. A AGU contesta ainda o pedido dos procuradores para que Ustra e Maciel restituam os gastos do governo com o pagamento de indenizações a torturados e parentes de militantes mortos nos porões do DOI-Codi. Para o governo, o prazo para que essa ação de ressarcimento fosse proposta prescreveu em 1996, 20 anos depois dos crimes cometidos entre 1970 e 1976. A argumentação da AGU contra a punição dos militares deve prevalecer no Supremo, de acordo com pelo menos três ministros do tribunal. Dois deles lembraram que a palavra anistia significa esquecimento, passar uma borracha no passado. Essa será a tendência na corte, que dará a palavra final nessa discussão. O relator da ação - uma argüição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) - é o ministro Eros Grau.

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