''Parar a transposição é obrigação patriótica''

Alves faz duras críticas a Lula e o desafia a atravessar a foz a pé, para constatar ?que o rio está morrendo?

Por Guilherme Scarance
Atualização:

Crítico contumaz da transposição do Rio São Francisco, o ex-governador de Sergipe João Alves Filho (DEM) faz uma previsão estarrecedora: se a obra continuar, em uma década faltará água para 1 milhão de pessoas, só no seu Estado e em Alagoas. Argumenta, ainda, que serão enterrados US$ 1 bilhão gastos com adutoras. "Parar essa obra é uma obrigação patriótica", defende Alves, em entrevista ao Estado. Para ilustrar a degradação do rio, ele desafia: "Lula deveria visitar a foz do rio - e recomendaria que ele levasse bermuda, eu estaria lá para acompanhá-lo. Se ele atravessar o rio a pé, manda suspender a obra imediatamente." O sr. é um dos maiores críticos da transposição, mas a obra está sendo tocada pelo Exército e a resistência praticamente desapareceu. A classe política recuou muito - a popularidade do presidente chegou a tal ponto que combater Lula tira voto. Se a obra for realizada, será o maior crime econômico, ecológico e social da América Latina. Os políticos pararam, mas há grupos de ecologistas, cientistas, etc. O que aconteceu? O presidente, agindo de forma arbitrária, colocou o Exército. Só que o Exército vai parar com 2 quilômetros e a obra tem 700 quilômetros. O interesse não é que o Exército faça. Lula agiu maquiavelicamente. Quem fará são os empreiteiros, os grandes interessados. O Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou liminares. Não há mais como parar a transposição? Absolutamente! Temos cerca de 20 ações no Supremo. O STF vai julgar o mérito e não tenho dúvida de que a obra será suspensa. O ministro Carlos Britto já falou, é um rio nacional e a obra não teve autorização do Congresso. Segundo: essa obra não tem o RIMA (relatório de impacto ambiental) na região doadora de 70% da água, Minas, nem na região da foz, que é a mais sofrida. O Ibama foi realmente bastante cobrado a dar autorização, mas exigiu vários projetos ambientais. O Ibama está agindo de forma política, não técnica. Deu autorização a toque de caixa, sem cumprir as normas constitucionais e as imposições da Lei de Recursos Hídricos. Já fiz uma carta aberta ao presidente Lula. Eu e outros pesquisadores, mas ele não nos recebe. Essa obra não resiste a 10 minutos de debate. Lula deveria visitar a foz do rio - e recomendaria que ele levasse bermuda, eu estaria lá para acompanhá-lo. Se ele atravessar o rio a pé, manda suspender a obra imediatamente. Eu deixo esse desafio aqui: ele vai ver com seus olhos que o rio está morrendo. O sr. trouxe fotos apontando a degradação do rio, mas o governo anunciou R$ 1 bilhão de investimento para a revitalização. O governo está blefando. Obra de revitalização é uma verdadeira epopéia. Você só tem um grande rio do mundo revitalizado - o Rio Tennessee, no New Deal. Ele equivale a dois terços do São Francisco e levou 20 anos para ser revitalizado. O governo alega que houve debate e a obra é um desejo do Nordeste. Isso é mentira. Fui um dos contestadores. Não fizeram debate sério. Eu era governador e não fui ouvido. Aécio Neves não foi ouvido. Paulo Souto, da Bahia, não foi ouvido. Os dois maiores Estados doadores de água - 70% de Minas e 20% da Bahia - não foram ouvidos. Quais são as conseqüências da transposição, na sua avaliação? Vou dizer, com absoluta segurança: a morte do rio. Como seria isso? A primeira etapa vai ser a água salinizar. O mar já invadiu o rio em 145 quilômetros. Lá já se pescam peixes de mar. O sr. defende o uso de água dos açudes. Essa é a alternativa? Tem um projeto feito pelo presidente Sarney, grande aliado de Lula, que levaria água para todos os habitantes do semi-árido nordestino e custaria menos de um terço do valor da transposição, que leva água para quatro Estados. Eu, como ministro do Interior, coordenei, mas era projeto do presidente Sarney. A água viria de duas fontes: no semi-árido há 70 mil açudes, com 37 bilhões de metros cúbicos de água. A outra é o subsolo - um mar de água doce de 135 bilhões de metros cúbicos. Mas seria mais barato parar a obra atual e iniciar a outra? O que gastaram lá é uma gota d?água. Essa obra é uma loucura. Parar essa obra é uma obrigação patriótica. E faltará água nos próximos anos. Em Sergipe e Alagoas, eu calculo no máximo dez anos: perderão todas as adutoras. Foram gastos nelas, em valores atualizados, US$ 1 bilhão. Sabe qual é a população que é abastecida pela adutoras? É de 1 milhão de sergipanos e alagoanos. Pode imaginar a tragédia?

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