Para socióloga, PMDB sai 'mais caro' dessa eleição

Maria Benevides acredita que PSDB e PT vão disputar para 'levar' PMDB em 2010.

Por Fabrícia Peixoto
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As eleições municipais consolidaram o PMDB como o principal partido do país, com vitória em 1.201 cidades. Na avaliação da socióloga Maria Victoria Benevides, da Universidade de São Paulo (USP), uma das conseqüências políticas é que o partido "ficou mais caro". Segundo ela, até a eleição presidencial, em 2010, haverá uma disputa entre o PT e o PSDB para ver quem leva o PMDB. Ao mesmo tempo, o partido está mais cacifado para ter seu próprio candidato, o que encarece seu apoio. "O PMDB tem pouquíssima rejeição e sabe negociar", diz Benevides à BBC Brasil. Leia trechos da entrevista. BBC Brasil - Qual a grande mensagem deixada por essas eleições? Benevides - Em primeiro lugar, deve-se notar a grande diferença que existe entre as alianças que acontecem no plano municipal quando comparadas com o plano estadual e principalmente o federal. Muitas vezes ficamos chocados de ver alianças aparentemente estapafúrdias, mas elas representam realidades locais, que podem ser bem diferentes dos acordos e das condições da famosa correlação de forças no nível mais alto, da União. Isso explica, por exemplo, por que não houve a tão esperada osmose com o apoio do presidente, que acabou perdendo em capitais importantes, como Salvador, Porto Alegre e São Paulo. BBC Brasil - E do ponto de vista do eleitor? Benevides - Sob um ponto de vista, o eleitor revelou uma maior independência em relação aos seus gurus políticos, sejam eles de ligação ideológica ou por clientelismo. Esse tipo de voto mais tradicional tendeu a cair. Outra coisa que merece atenção é o alto número de votos nulos e abstenções. Basta ver o caso do Rio de Janeiro (o número chegou a 20% do eleitorado). É só fazer as contas para ver que o número é muito maior do que a diferença dos votos válidos entre Gabeira e Eduardo Paes, que disputaram o segundo turno. É algo para se pensar, pois afeta muito a legitimidade de um pleito e a representatividade dos eleitos. BBC Brasil - Como a senhora avalia a diferença entre Marta e Kassab, em São Paulo? Em São Paulo, tivemos uma prova eloqüente do que significa a reeleição, do que é estar no poder e ter toda a máquina, toda a visibilidade na televisão, no rádio e nos jornais, diariamente. Ou seja, é muito difícil um candidato de fora concorrer com o candidato à reeleição. Haja visto o que aconteceu em todo o país. Por mais que se estabeleçam regras, do que pode e o que não pode, pela própria natureza do sistema é o Executivo quem contrata, que demite, que define prioridades. O Kassab é um exemplo importantíssimo, que largou como um ilustre desconhecido e passou a ter uma visibilidade imensa. Tivemos a prova também do que o tempo representa para o eleitor. Do tempo e da memória. O tempo que se passou da gestão Marta para cá tornou muito difícil sua campanha, de lembrança de suas políticas sociais. O máximo que a Marta conseguia dizer durante sua campanha era "ele copiou". Já devíamos ter aprendido que ouvir sempre o marqueteiro não é a melhor escolha. A campanha da Marta é a prova disso. BBC Brasil - E como fica o papel do PMDB? O PMDB se beneficia de uma tradição, que começou na oposição à ditadura. E que depois virou o maior partido-ônibus da história do Brasil. Entra de tudo. Ao mesmo tempo, isso confere ao partido uma flexibilidade, uma capacidade de negociar que outros não têm. Existem algumas exceções dentro do partido, como Pedro Simon e Jarbas Vasconcelos, mas o resto é um ajuntamento que tem pouquíssimo a ver com um programa, com algum princípio ideológico, mas que conseguiu se enraizar de uma maneira muito poderosa. É o partido com a maior capilaridade que nós já tivemos, está encravado em todos os lugares do país. Outra característica importante é sua baixa rejeição. O DEM, por exemplo, tem uma rejeição altíssima. Tucanos e petistas também, de certa forma. Já os peemedebistas, nem tanto. Nas cidades, é o partido tradicional, o partido do conhecido, "da família tal". BBC Brasil - Mas eles não conseguem ter um nome com projeção nacional... Não, isso não tem. Mas veja: eles podem não ser donos de uma grande marca, mas são donos daquela rede de comércio local que todo município tem. Tipo Casas Pernambucanas. É isso, o PMDB é como as Casas Pernambucanas. BBC Brasil - O partido, porém, já sonha com um candidato próprio à sucessão presidencial. Tem espaço? Na minha opinião, tem sim. Tem gente de todo o tipo no partido e, como disse, com pouca rejeição. BBC Brasil - E a oposição, como fica? O PSDB tem como grande adversário o PT e ambos vão disputar o PMDB. É daí que vai surgir a grade disputa política nos próximos dois anos. O que conta agora é 2010. Mas é preciso lembrar que o PMDB sai mais caro dessa eleição. BBC Brasil - E o que esperar do sistema político e eleitoral até lá? Enquanto não fizermos uma reforma política, que envolva tanto o sistema eleitoral como o partidário, vamos continuar com esses problemas de baixa representatividade e de democracia capenga. Existem aspectos da separação dos poderes que estão sendo relegados. Um dos grandes problemas é essa falta de divisão entre os poderes, que estamos observando. O Judiciário se metendo na esfera do Executivo, enquanto que o Executivo legisla muito mais do que o Legislativo... Temos de enfrentar essa questão real da não separação de poderes, para torná-la efetiva. BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.

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