Para ir a Brasília, uma conta de R$ 400 mil

Cada prefeito gastou pelo menos R$ 1 mil com viagem

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Por Luciana Nunes Leal e BRASÍLIA
Atualização:

Para reclamar contra a quebradeira generalizada dos municípios, em encontro realizado ontem em Brasília, prefeitos gastaram mais de R$ 400 mil. Uma estimativa conservadora, com base em cálculos dos próprios participantes, indica que os 421 prefeitos e outros representantes dos municípios gastaram R$ 1 mil em média, pelo menos, para ir a Brasília. São despesas com passagem aérea, hospedagem, alimentação e transporte. Jackson Bezerra (PSB), prefeito de Afonso Bezerra - um tio poeta e intelectual local que dá nome à cidade - usou três diárias, no valor total de R$ 1.800, ao viajar do interior do Rio Grande do Norte a Brasília. Envolto na bandeira de sua cidade, lamentou o aperto nas contas, provocado pelo impacto que desonerações fiscais concedidas pelo governo tiveram no Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Ontem, a equipe econômica estudava mais um pacote de desoneração do IPI, que compõe o FPM, para produtos da chamada linha branca. Bezerra disse que o município de 11 mil habitantes - sendo 460 servidores municipais e cerca de 5 mil beneficiários do Bolsa-Família - vive quase exclusivamente do FPM. No mês passado, o repasse líquido foi de apenas R$ 80 mil. Com salário de R$ 8 mil, pagou "do próprio bolso" R$ 20 por uma foto sua no encontro, realizado no auditório Petrônio Portela, no Senado. "Esse preço tá pesado, acabou esse negócio de que os municípios são ricos", disse ao fotógrafo, antes de pagar. O prefeito de Rio Verde de Mato Grosso, que apesar do nome fica no Mato Grosso do Sul, William Douglas de Souza Brito (PPS), resumiu a penúria de sua cidade, de 18.500 habitantes. "O município tem direito a R$ 700 mil do FPM, mas R$ 480 mil ficam retidos para pagamento de dívidas do INSS. Nas parcelas do dia 10, não entra nada. No dia 20, praticamente nada. O dinheiro entra mais na parcela do dia 30", diz Brito, que calculou em R$ 1.700 os gastos que teve para ir a Brasília. Ex-presidente da Câmara, que renunciou para não perder o mandato após denúncias de que cobrou propina para renovar contratos com restaurantes, o prefeito de João Alfredo (PE), Severino Cavalcanti (PP), chegou já no fim do encontro e falou do gasto que teve para ir à capital. "Dei despesa ao município. Não sei se vou para um hotel de terceira ou de segunda categoria. Não podemos voltar para nossos municípios de cuia vazia", discursou. E reclamou do ministro da Fazenda, Guido Mantega. "Não podemos ser esmagados porque o ministro da Fazenda acha que nós estamos cheios de dinheiro. Vou dar os dez centavos que estão no caixa da prefeitura para ele comprar um pedaço de corda para se enforcar", ironizou, provocando risos pela primeira vez no dia. Severino calculou ter gasto R$ 1.500 em diárias de viagem. O presidente da Confederação Nacional de Municípios (CNM), Paulo Ziulkoski, fez referência aos gastos dos municípios para garantir a mobilização em Brasília. Haverá um encontro por mês na capital até o dia 12 de julho, quando está prevista a Grande Marcha dos prefeitos. "Imagina quanto custa ao cidadão para tantos prefeitos virem até aqui. Quanto custa virmos aqui de pires na mão. Mas é preciso mobilização. Temos que enfrentar esse movimento que acontece em Brasília para desestruturas as prefeituras." Os prefeitos reiteraram que o ponto central das reivindicações deve ser a suspensão do pagamento de dívidas com o INSS (o valor é retido mensalmente do repasse do FPM), até que seja feito um encontro de contas entre o que os municípios devem à União e o que prefeitos calculam que a União deve a eles. A deputada Rose de Freitas (PMDB-ES), relatora da medida provisória 457 - que modifica as condições de pagamentos das dívidas previdenciárias municipais e recebeu muitas críticas dos prefeitos -, anunciou ter incluído uma emenda que prevê a suspensão do pagamento da dívida. E pediu a ajuda dos prefeitos para aprovar o dispositivo. Já o presidente da Associação dos Municípios de Mato Grosso do Sul e prefeito de Terenos, Humberto Pereira (PMDB), deu o tom político ao encontro. Lembrou o evento do presidente Luiz Inácio Lula da Silva com prefeitos, em fevereiro. "Ele anunciou um pacote de bondade que ia trazer um tempo de bonança e na verdade foi um pacote perverso", disse Pereira, filho do senador Valter Pereira (PMDB-MS).

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