Para analistas, troca de mensagens se configura como conversação

Presidente Jair Bolsonaro alegou que seu ex-ministro Gustavo Bebianno não poderia classificar envio de áudios em aplicativo como uma 'conversa'

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Por Matheus Lara , Túlio Kruse e Carla Bridi
Atualização:

Apesar de o presidente Jair Bolsonaro negar que a troca de áudios com o ex-ministro Gustavo Bebianno pelo WhatsApp configure uma conversa, a justificativa é contestada por especialistas em comunicação e mídias sociais.

"Usar do WhatsApp para dizer que falou três vezes comigo, aí é demais da tua parte" disse Bolsonaro a Bebianno, após o então ministro ter afirmado na imprensa que teria conversado três vezes com o presidente no dia anterior. A discussão pelas redes intensificou a crise de Bebianno no governo e culminou em sua exoneração.

O ex-ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Gustavo Bebianno, conversa com o presidente Jair Bolsonaro durante a campanha de 2018, quando Bebianno era presidente nacional do PSL Foto: Ricardo Moraes/Reuters

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Para o especialista em comunicação digital Luli Radfahrer, da Universidade de São Paulo (USP), negar que a troca de mensagens pelo WhatsApp seja uma conversa é um absurdo.

"É fora da realidade ele negar que seja uma conversa", analisa Luli. "Uma conversa é a troca de informações em voz entre pessoas independente do canal. Há conversa por telefone, por Skype, também por WhatsApp. Só não é conversa se um dos interlocutores é um especialista, como um psicólogo ou um advogado; neste caso, a conversa pode ser uma consulta."

Já a professora Pollyana Ferrari, especialista em mídias sociais no curso de Comunicação e Multimeios da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), chama atenção para a habilidade do governo com as mídias sociais, demonstrada ao longo da campanha eleitoral, e diz que é "complexo" analisar diálogos em tempos de comunicação digital, ao levar em conta riscos de "manipulação" do discurso.

"Quando interessa, é conversa. Quando não interessa, não é conversa", critica a professora. "Temos um 'governo midiático' em curso, no sentido de usar muito bem essas plataformas a seus interesses. Quando não interessa, é 'fake news'. Nesse sentido, o governo está muito antenado."

Ela também questiona o "interesse" ao divulgar as conversas. Para ela, o público fica "à mercê" das informações publicadas instantaneamente nas redes sociais por figuras públicas. "Mídias sociais são manipuláveis, infelizmente nós vivemos nessa era."

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O professor e pesquisador da PPGCOM-ESPM, Luiz Peres-Neto, avalia que há uma distinção quando se inicia uma "conversa imediata" e quando ela é feita de forma indireta, como é o caso da troca de áudios. Mesmo assim, não deixa de ser uma interlocução entre duas ou mais pessoas. "A troca de mensagens já configura uma conversa, é uma troca de signos", afirmou.

Ele alerta para os perigos de se utilizar qualquer meio de comunicação nas redes sociais para assuntos oficiais, ou sob a condição de anonimato. "Quando se fala em condição de anonimato, não se utiliza o Whatsapp. Serve para todos nós. Me preocupa um presidente da República que utiliza como meio de conversa com seus ministros um aplicativo como esse. Não há certeza de armazenamento dos dados. Isso demonstra um certo amadorismo", afirma.

Peres-Neto ainda ressalta que, judicialmente, "se uma pessoa decide revelar uma conversa, não há nenhum tipo de infração no dispositivo jurídico regular".

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