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Para analistas, relações com os EUA devem envolver maior cooperação e mais conflitos

Crescimento econômico e projeção internacional do Brasil trarão mais divergências; questão do Irã pode ser deixada de lado.

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Por Alessandra Corrêa
Atualização:

O futuro das relações entre Brasil e Estados Unidos, independentemente de quem vença as eleições presidenciais de outubro, deve envolver maior cooperação, mas também mais conflitos em diversas áreas, dizem analistas americanos ouvidos pela BBC Brasil. O crescimento econômico e a maior projeção conquistados pelo Brasil no cenário internacional nos últimos anos, aliados a uma política externa mais independente, devem fazer com que divergências entre os dois países sejam cada vez mais comuns, segundo os analistas. "Não há dúvida de que a transformação das relações entre os Estados Unidos e o Brasil foi impulsionada pelas transformações no Brasil. Não apenas o crescimento da economia brasileira, mas também a maior projeção do país internacionalmente, significa que estamos nos chocando com o Brasil em áreas em que o Brasil antes não estava presente, mas agora está", disse o embaixador americano em Brasília, Thomas Shannon, em entrevista concedida em Washington. "Tanto o Brasil quanto os Estados Unidos têm de entender essa mudança de situação e ser capazes de responder a isso de maneira criativa, positiva para ambos os países", afirmou embaixador. "Mas estamos muito confiantes de que, quem quer que seja eleito, nós seremos capazes de trabalhar juntos de maneira muito positiva", disse Shannon. Irã Segundo analistas, o momento de maior tensão recente entre os dois países foi o que envolveu o programa nuclear iraniano, no primeiro semestre deste ano. O Brasil não apoiou a aplicação de uma quarta rodada de sanções da ONU contra Teerã, proposta pelos Estados Unidos e aprovada em junho pelo Conselho de Segurança. O Brasil, ao lado da Turquia, havia obtido um acordo com o Irã pouco antes da aprovação das novas sanções, na tentativa de evitar as represálias e encontrar uma solução por meio do diálogo. O acordo, porém, foi rejeitado pelos Estados Unidos, gerando irritação no governo brasileiro. "Havia por parte dos Estados Unidos a impressão de que o Brasil tinha de apoiar Washington em uma questão como essa", diz o brasilianista Peter Hakim, presidente emérito do instituto de análise política Inter-American Dialogue, com sede em Washington. "Mas não deveria haver mais esse tipo de expectativa", afirma Hakim. "Divergências serão cada vez mais normais na relação entre os dois países." Relação estratégica Segundo o brasilianista, todas as grandes potências que emergiram nos últimos anos, como China ou Rússia, tiveram conflitos com os Estados Unidos. "É inevitável", diz Hakim. "Acredito que, no futuro, os dois países vão ter uma relação estratégica, como os Estados Unidos têm com a China ou com a Rússia. Mas não uma parceria estratégica." O diretor do programa de estudos de América Latina da Universidade Johns Hopkins, Riordan Roett, também afirma que, no futuro, as relações entre Estados Unidos e Brasil serão cada vez mais semelhantes às que Washington mantém com Rússia, China ou Índia, os outros países que, ao lado do Brasil, formam o grupo chamado Bric. "Haverá prioridades semelhantes entre Estados Unidos e Brasil, e nesse caso será possível desenvolver uma forte cooperação", diz Roett. "Mas em outros campos, a tendência é de que haja competição", afirma. "O Brasil já é o mais importante ator regional. À medida que se torna um importante ator global, em algumas áreas haverá prioridades semelhantes, mas em outras, não." Entre as áreas em que há probabilidade de divergências, os analistas citam o comércio, especialmente no setor agrícola, em que questões como os subsídios pagos pelos Estados Unidos a seus produtores rurais já são motivo de conflito. Segundo Hakim, o programa nuclear brasileiro também pode provocar divergências no futuro. "Poderia facilmente escalar para um conflito, especialmente se o Brasil aumentar sua capacidade de enriquecimento de urânio", afirma. Eleição O analista Mark Weisbrot, codiretor do Center for Economic and Policy Research, em Washington, afirma que, apesar de profundas mudanças na América Latina nos últimos anos, a política americana para a região não mudou. "Os Estados Unidos vão continuar a ter conflitos com a América Latina no futuro. E como o Brasil faz parte da região, vai ser afetado também", diz. Segundo Weisbrot, dependendo de quem for o vencedor das eleições brasileiras, pode haver uma mudança para uma política externa mais "pró-Washington". De acordo com Riordan Roett, o novo governo brasileiro, por meio do ministro de Relações Exteriores, poderia colocar a questão iraniana no passado. "O novo ministro poderia sentar com (a secretária de Estado americana) Hillary Clinton e tentar resolver a questão", diz. Há, porém, entre os analistas, dúvidas sobre a real intenção de fazer o esforço necessário para melhorar as relações, tanto por parte de Brasília quanto por Washington. "Será que haverá um esforço do novo presidente para melhorar essa relação?", questiona Hakim. "(O novo governo brasileiro) vai sentir que realmente deveria fazer um esforço maior para suavizar as relações? Acho que ainda serão necessários mais alguns confrontos sérios para que realmente (os dois governos) lidem com essas questões." Segundo Hakim, depois de oito anos do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, o Brasil tem uma imagem internacional "extremamente positiva" e Lula recebe tratamento "de estrela" no exterior, o que talvez o novo presidente brasileiro não tenha. No entanto, Hakim diz não acreditar em mudanças dramáticas nas relações bilaterais e cita o exemplo da sucessão americana. "Todos odiavam Bush. Todos amavam Obama. Esperava-se uma grande mudança. Mas olhe a política dos Estados Unidos para a América Latina. Não mudou", afirma. BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.

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