Para analistas, crises política e econômica não estão resolvidas com impeachment de Dilma

Cenário político instável e dúvidas sobre economia geram incertezas, segundo especialistas em Brasil na França

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Por Andrei Netto
Atualização:
Dilma foi condenada pelo Senado por 61 votos a 20 Foto: Dida Sampaio/Estadão

PARIS - Analistas especializados em Brasil na Europa consideram que, ao menos por ora, o impeachment não representa o final da crise política interna, nem a retomada da atratividade econômica do país em relação a investidores estrangeiros. Para os experts, a queda de Dilma Rousseff encerra um ato da turbulência, mas não garante que o presidente Michel Temer conseguirá estabilizar o país nos próximos meses, em meio à operação Lava Jato e eleições.

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Para François-Michel Le Tourneau, geógrafo do Instituto de Estudos da América Latina (IHEAL), de Paris, a destituição de Dilma Rousseff representa também a derrocada do Partido dos Trabalhadores (PT), ao menos temporária. Por outro lado, não significa que Michel Temer comandará um governo estável. "O país está longe de ser estável. A capacidade de Temer de estabilizá-lo não é evidente, ainda mais no contexto da operação Lava Jato, que ainda derrubará ministros e parlamentares", entende Le Tourneau. "Esse episódio chegou ao fim, mas a crise política não."

Ainda segundo o pesquisador, em que pesem as incertezas a comunidade internacional vai acolher o novo presidente como um representante legítimo do Estado brasileiro. "O Brasil respeitou sua lei, não é um golpe de Estado, a Constituição foi respeitada, o Parlamento desempenha seu papel. Talvez não disputem a primazia para convidá-lo, mas não se pode fazer de outra forma a não ser reconhecer que o processo foi legítimo de parte das instituições brasileiras", entende. "Como se poderia dizer algo em contrário quando um artigo da Constituição foi executado? Seria se imiscuir nos assuntos internos de um país, o que não é possível."    Para Juliette Dumont, professora de História especializada em Brasil e América Latina na Université Sorbonne Nouvelle-Paris 3, o Brasil vive uma ruptura em relação à ordem democrática estabelecida pela Constituição de 1988. "Há uma reflexão a se fazer sobre como funciona o sistema político brasileiro, o presidencialismo de coalizão, sobre a questão de o Congresso ter muitos partidos, mas uma representação bastante desconectada do povo brasileiro", afirma. Para Juliette Dumont, haverá questões também sobre o papel que o Brasil quer representar no cenário internacional. "A imagem do Brasil está muito abalada. O Brasil era tido como uma das maiores democracias do mundo, mas não sei se deu uma boa imagem de sua democracia", diz a pesquisadora. 

Economia. Também no que diz respeito à credibilidade da economia do país, a instabilidade ainda não passou aos olhos dos europeus. Para o advogado Charles-Henry Chenut, conselheiro de Comércio Exterior da França, órgão de consulta do primeiro-ministro, Manuel Valls, "a destituição não muda nada no cenário brasileiro, marcado por uma classe política muito corrompida". "No que diz respeito aos investimentos diretos do exterior, e em especial de empresas e investidores franceses, eles permanecem estáveis. Mas não há novos atores chegando ao mercado brasileiro porque o país não oferece perspectivas claras, e seu horizonte econômico ainda é muito sombrio", analisa o advogado, que atua na assessoria de empresas entre os dois países. "Observamos mais a Aliança do Pacífico, o México e a Colômbia, eventualmente também a Argentina, que intriga um pouco. O Brasil seduz menos, pelo menos por enquanto."