Para analistas, Brasil em alta passa por 'renascimento' na Europa em crise

Momentos distintos do Brasil e dos países europeus trazem riscos e oportunidades para os brasileiros.

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Por Daniel Gallas
Atualização:

O novo presidente brasileiro, que vai assumir o poder no dia 1º de janeiro de 2011, encontrará uma fase atípica nas relações entre Brasil e Europa. O Brasil atravessa um momento de otimismo nas relações internacionais, com boas perspectivas de crescimento econômico e desenvolvimento. Já a Europa se recupera com grandes dificuldades do forte impacto da crise econômica global, enquanto enfrenta problemas no seu processo interno de integração, no âmbito da União Europeia. Para diferentes analistas e diplomatas ouvidos pela BBC Brasil, os momentos distintos vividos por Brasil e Europa apresentam riscos e oportunidades para os brasileiros nas relações entre os dois lados. Por um lado, o novo governo pode se aproveitar do aumento do interesse do interesse europeu nas relações com o Brasil para ampliar seus interesses econômicos e políticos na região. Já para alguns analistas, o fato de a Europa estar passando por uma crise pode dificultar o avanço em negociações - como no comércio, por exemplo - já que os governos europeus estariam mais enfraquecidos internamente, precisando agradar a grupos que fazem lobby por maior protecionismo. Renascimento brasileiro O Brasil passa por uma espécie de "renascimento" na Europa, que é consequência da ascensão dos países emergentes na economia global, de acordo com alguns dos analistas. Entre os emergentes, o Brasil recebe mais investimentos diretos europeus do que a China e a Índia somadas. "O mundo está passando por mudanças muito significativas. E o traço mais característico é a relevância acentuadamente maior dos países em desenvolvimento, que é de onde vem hoje a maior parte da riqueza adicional no mundo", afirma o embaixador brasileiro em Londres, Roberto Jaguaribe. Jaguaribe passou os últimos anos em Brasília, onde trabalhou no setor do Itamaraty responsável pelas relações com o mundo emergente. No mês passado, ele assumiu a embaixada brasileira na Grã-Bretanha, que, segundo ele, é um dos países europeus mais atentos para a mudança de status do Brasil no cenário internacional. "A América Latina e o Brasil foram os espaços geográficos mais esquecidos da política externa do Reino Unido dos últimos 50 anos", afirma Jaguaribe. "Agora se vê um renascimento de interesse aqui - pela América Latina, em geral, e pelo Brasil, em particular." Em julho, o ministro britânico das Relações Exteriores, William Hague, incluiu o Brasil entre as prioridades do novo governo do primeiro-ministro David Cameron. "Agora o Brasil virou moda na Europa. Antes todos olhavam muito para a China e para a Índia, agora todos falam no Brasil. Vamos ver se essa 'moda Brasil' vai durar", diz Alfredo Valladão, presidente do conselho consultivo da EUBrasil, entidade que promove a aproximação entre Brasil e União Europeia. Interesses do Brasil Nos últimos anos, o Brasil não conseguiu ampliar as condições de comércio com a União Europeia, depois que as tentativas de se firmar um acordo comercial do bloco europeu com o Mercosul fracassaram, por falta de concessões dos dois lados. No entanto, os analistas apontam que mesmo com o fracasso no acordo comercial, o Brasil ampliou seus interesses na Europa em outras esferas, sobretudo no campo da governança global. O país foi chamado como convidado para todas as reuniões do G8 - grupo dos países ricos do mundo mais a Rússia, integrado por quatro potências europeias (Grã-Bretanha, França, Itália e Alemanha). Após a crise econômica mundial de 2008, o G8 foi gradualmente perdendo destaque em relação ao G20 - que inclui o Brasil. Para a professora da UERJ Miriam Saraiva, especialista em relações Brasil e Europa, os países europeus têm um papel importante no esforço de ascensão internacional do Brasil. "Durante o governo Lula, o Brasil buscou uma aproximação com países europeus para tentar influir sobre a ordem internacional. Nesse esforço, os países europeus têm um lugar de destaque para puxar o Brasil para as negociações mais importantes", afirma Saraiva. Negociador 'indigesto' Nos próximos anos, o Brasil voltará a negociar o acordo comercial entre Mercosul e União Europeia e continuará tentando ampliar sua influência nos debates internacionais. Na esfera comercial, ainda há muito ceticismo de todos os lados sobre a possibilidade de se concluir um acordo. No entanto, na parte de governança global, o Brasil pode se aproveitar do bom momento internacional para aumentar sua influência em instituições em reforma, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) ou o Conselho de Segurança da ONU, onde há anos o país luta por uma vaga permanente. "Como existe uma quantidade maior de atores relevantes que são novos, é natural, que nestas configurações firmadas no pós-guerra de 1945, eles estejam subrepresentados - nas esferas de governança financeira, comercial e política", afirma o embaixador Jaguaribe. Em alguns casos, a ascensão brasileira poderia até mesmo entrar em conflito com os interesses europeus. "A Europa perdeu poder relativo e significado relativo de forma importante. Não parece razoável que países europeus de economia proporcionalmente importante mantenham cotas nos organismos de governança mundial superiores a países com economias já muito maiores. É preciso haver uma correção", diz o embaixador, sem citar nenhum país europeu por nome. Os analistas também ressaltam que o fato de a Europa estar se recuperando mais lentamente da crise mundial enfraquece os governos internamente na hora de fazer concessões em acordos como o comercial. "A Europa está em crise hoje. É muito mais difícil para os governos enfrentarem os lobbies, que são pequenos, mas que têm muita força política. Na França, será muito difícil o governo fazer qualquer concessão agrícola ao Mercosul que o enfraqueça internamente neste momento", afirma Valladão. Miriam Saraiva ainda lembra que a União Europeia já é um negociador "indigesto" por natureza, já que o bloco precisa da autorização de 27 países para aprovar acordos como o que está sendo negociado com o Mercosul. BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.

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