Papéis revelam pistas sobre caso Rubens Paiva

Nome de militares que teriam tido contato com desaparecido podem ajudar a esclarecer episódio

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Por Wilson Tosta
Atualização:

Um pacote de documentos oficiais sobre o desaparecimento, em 1971, do ex-deputado Rubens Paiva, guardado no Arquivo Nacional, contém pistas que podem ajudar nas investigações sobre o caso, reabertas em janeiro pelo Ministério Público Militar.

 

 

Da documentação, obtida com exclusividade pelo Estado, constam nomes de militares que supostamente tiveram contato com Rubens, sequestrado em casa por integrantes da repressão política e, segundo apuraram grupos de defesa dos direitos humanos, morto após tortura por integrantes do Destacamento de Operações de Informações (DOI) do então I Exército, no Rio de Janeiro.

 

 

Na versão oficial, o ex-parlamentar do PTB desapareceu após resgate por terroristas durante diligência, o que sempre foi apontado por opositores da ditadura como fantasia divulgada para encobrir o assassinato.

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A papelada, oriunda do Quartel-general do I Exército, inclui cópia da sindicância que teria sido instaurada para apurar a "fuga" de Paiva. O relatório da investigação, com três páginas e de 11 de fevereiro de 1971, diz que o capitão Raimundo Ronaldo Campos, o primeiro-sargento Jurandir Ochsendorf e Souza e o terceiro-sargento Jacy Ochsendorf e Souza levavam o ex-parlamentar na suposta diligência, no Alto da Boa Vista, na zona norte.

 

 

A investigação, conduzida pelo major Ney Mendes, formalizou a história apresentada pelo governo militar para o sumiço do ex-deputado depois de capturado em sua própria casa. Segundo a apuração, o Fusca em que os três militares e o prisioneiro seguiam foi fechado na Estrada de Furnas, houve tiroteio, Rubens correu, o carro se incendiou, e os terroristas resgataram o ex-deputado.

 

 

"Na refrega, houve a evasão do Sr. Rubem (sic) Beirodt Paiva para local ignorado, não sabendo as autoridades de segurança o seu paradeiro, de vez que a preocupação dos referidos agentes era de se defender e também a de seu acompanhante, cujas consequências foram a queima do carro e a interrupção das diligências que estavam se processando", escreveu o major Mendes, que pediu o arquivamento do caso.

 

 

Também surge da papelada oficial sobre o caso o nome do major-chefe do DOI/I Exército, Francisco Derlurgo Santos. Ele assinou ofício dirigido ao chefe da 2ª Seção (Informações) do Estado-maior do I Exército, encaminhando documento em que Campos comunicava a "fuga" de Paiva. "Esclareço que, tão logo tomei conhecimento do fato, compareci ao quartel, onde tomei conhecimento dos fatos e as providências necessárias."

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Ainda na papelada relativa ao caso Rubens Paiva guardada no Arquivo Nacional, estão os nomes dos peritos primeiro-tenente comandante do Pelotão de Investigações Criminais, Armando Avolio Filho, e terceiro-sargento Lucio Eugenio de Andrade. Eles assinam, com o coronel José Ney Fernandes Antunes, do 1.º Batalhão de Polícia do Exército, o laudo pericial 01/71, feito no local onde, segundo a versão da corporação à época - considerada fantasiosa por ativistas de direitos humanos - o corpulento e quarentão ex-deputado teria, em meio a um tiroteio dos militares com os terroristas, escapado correndo agilmente do carro em que era conduzido preso. A perícia teria sido feita na manhã de 22 de janeiro de 1971 - a "fuga" teria sido de madrugada.

 

 

Curiosamente, o nome de um dos peritos surgiria mais de 30 anos depois acusado de envolvimento em tortura. Já como coronel e adido militar brasileiro em Londres, durante o governo Fernando Henrique Cardoso, Armando Avolio Filho foi denunciado pelo jornal inglês The Guardian e teve seu afastamento do cargo pedido pela Anistia Internacional. Acabou exonerado.

 

 

O promotor militar Otavio Bravo avalia que a Justiça brasileira considera que desaparecimentos forçados como o de Paiva são equivalentes a sequestro e, enquanto não forem objeto de informações seguras, são crimes em andamento, portanto fora da Lei de Anistia e não prescritos. Ele quer investigar os casos de pelo menos 40 ativistas que teriam sumido após passar pela "Casa da Morte", centro clandestino de tortura e extermínio mantido pelo DOI em Petrópolis - há indícios de que Paiva passou por lá.

 

 

Bravo pretende ouvir inicialmente testemunhas dos desaparecimentos de Paiva e de outras três pessoas: Stuart Angel Jones, Carlos Alberto Soares de Freitas (que militou com a presidente Dilma Rousseff na organização VAR-Palmares) e Mário Alves. Na lista do promotor estão parentes dos quatro.

 

 

A partir das investigações, poderão ser requisitadas informações às Forças Armadas. Pelos postos que ocupavam à época do desaparecimento de Paiva, é possível que alguns dos militares - então na faixa dos 20 aos 40 anos - estejam vivos e em condições de depor.

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