Palanque estadual é chave de disputa presidencial, diz estudo

Tese aborda articulação de estratégias nas eleições majoritárias desde a redemocratização

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Por Daniel Jelin
Atualização:

Não é à toa o esforço petista para encontrar um candidato competitivo em São Paulo, mesmo que não pertença a suas fileiras, como ensaiou com Ciro Gomes, do PPS. O cientista político Rafael de Paula Santos Cortez analisou as estratégias eleitorais dos partidos desde a redemocratização e concluiu que o sucesso de uma candidatura presidencial depende de palanques fortes nos Estados. É a estratégia de nacionalização da disputa. "Ganhar o Estado não é tudo", diz. "É importante combater o inimigo." As articulações entre as eleições majoritárias são abordadas em sua tese de doutorado "Eleições Majoritárias e Entrada Estratégica no sistema partidário-eleitoral brasileiro", que defendeu no início do mês, na Universidade de São Paulo. Leia a seguir trechos da entrevista.

 

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Qual foi o foco do seu trabalho?

Meu trabalho tem como foco entender as articulações entre as eleições executivas no sistema político brasileiro. Eu busco uma explicação para a permanência de PT e PSDB nas eleições presidenciais e o padrão de coordenação das elites que levou a este cenário. O meu argumento é que a estratégia dos partidos nas eleições majoritárias define e explica muito da coordenação eleitoral no sistema brasileiro.

Que conexões entre as eleições para governador e presidente você encontrou?

Eu assumo no trabalho que as eleições presidenciais são centrais no sistema partidário eleitoral brasileiro. Acontece que nem todo partido político tem condições de participar sistematicamente delas. Essa disputa acaba se restringindo a poucas forças. Se a gente olhar, de 89 a 2006, apenas PT e PSDB foram participantes constantes. O que eu encontro é que uma candidatura bem sucedida nas eleições presidenciais passa pela nacionalização dessa candidatura. É preciso construir bases nacionais que deem força à candidatura presidencial. E os partidos constroem essas bases por meio da articulação entre as eleições para presidente e governador. Grosso modo, meu argumento vai na direção de que os partidos precisam participar sistematicamente das eleições para governador, lançando candidatos de suas próprias fileiras ou apoiando candidatos fortes nos Estados.

Como PT e PSDB conseguiram bases nacionais, e os outros partidos não?

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Meu argumento é de que o momento chave para essa dominância PT/PSDB é a eleição de 1994. Para entender o cenário 94, é preciso olhar um pouco o que as urnas disseram em 89. Em 89, o padrão de votação de muitos candidatos foi regionalizado - vale lembrar que quase todos partidos lançaram candidato para presidente. Brizola, Maluf, Covas tiveram votos concentrados, para citar alguns exemplos. Só dois partidos tiveram votação nacionalizada: PT, com Lula, e PRN, com Collor. Ou seja, os dois partidos que foram para segundo turno. Minha leitura é que para uma candidatura se tornar forte ela precisa ser nacionalizada. Ela precisa obter votos nos diferentes Estados. É esta tarefa que ficou para 1994. A estratégia de PT e PSDB foi a de construir essa bases nacionais. Aqui, há uma semelhança. PT e PSDB disputaram um contra o outro o maior número de eleições nos Estados. PT não apoiou PSBD nos Estados. Eles se escolheram como inimigos. Mas há uma diferença no modo como eles nacionalizaram as candidaturas. O PT recorreu muito mais ou a candidaturas próprias, de suas fileiras, ou ao apoio de candidatos ligados à coligação nacional, especialmente o PSB. O PSDB, por sua vez, buscou apoio numa diversidade maior de partidos. Por exemplo, no PMDB. O PSDB apoiou 7 candidatos do PMDB a governador, sendo que o PMDB estava fora da coligação presidencial. Estes partidos dominaram esse pleito de 94, e o argumento é que foi por conta dessa nacionalização de candidaturas. Brizola, do PDT, Espiridião Amin, PPR, e Quércia, do PMDB, não tiveram o mesmo êxito nessa nacionalização. Neste momento, a gente definiu essa clivagem, que foi se auto-reforçando nas eleições posteriores. Então, à medida que PT e PSDB tinham um desempenho significativamente superior aos demais, nas eleições seguintes eles tinham maior chance de atrair apoio em torno do seu projeto.

Segundo seu trabalho, essa dualidade é consolidada em 94 e posta à prova em 2002. Por quê?

Meu argumento é de que há um aprendizado. Os partidos vão percebendo essa necessidade de nacionalizar as candidaturas. Meu ponto é simples: candidaturas regionalizadas não obtêm sucesso na disputa presidencial. Em reforço a esse aprendizado, a gente tem uma mudança institucional que alterou significativamente as estratégias em 2002, que foi a verticalização das coligações eleitorais. Agora haveria uma lógica entre as coligações nacionais e estaduais. Isso faz com que mais partidos fizessem essa estratégia de contraposição, pela qual os partidos que disputam as eleições nacionais também se enfrentam nos Estados. Em 2002, teve duas candidaturas que ameaçaram essa clivagem PT/PSDB: a candidatura de Garotinho, do PSB, que a despeito de ter sido ancorada no Rio de Janeiro, esteve presente em boa parte dos Estados; a mesma lógica se dá com Ciro Gomes, da frente PPS-PDT-PTB. Esses partidos passaram a utilizar essa lógica de nacionalizar as candidaturas. Uma vez que vários partidos nacionalizaram suas candidaturas, houve uma fragmentação da disputa eleitoral, e a estabilidade PT versus PSDB foi posta à prova, ainda que, no final das contas, eles tenham permanecido como principais postulantes à Presidência.

Como se dá a "divisão do trabalho" no sistema político brasileiro?

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O que eu tento mostrar é que participar de candidaturas majoritárias é algo muito custoso. Nem todos os partidos têm capital político e financeiro para participar sistematicamente. Tem muita coisa em jogo. No momento em que você topa entrar na disputa e não é bem sucedido, isso pode ter consequências na capacidade de o partido influir. Com o passar do tempo, o custo da entrada vai fazendo com que surja uma divisão do trabalho no interior do sistema partidário. Poucos partidos participam sistematicamente de disputas majoritárias. Basicamente, para presidente e governador, os atores principais são PT, PMDB e PSDB. Os demais partidos não têm força para lançar candidatos por todo o território. Então, tem duas estratégias. A primeira é a de criar nichos: o partido escolhe Estados em que têm maior tradição para lançar candidatos, geralmente aliado a uma dessas forças presidenciais: DEM, PSB e PDT. Esses partidos ainda têm algum fôlego para participar da disputa em alguns Estados específicos. O PSB no Ceará e Pernambuco, o PDT no Amapá, o DEM na Bahia, etc. Esses partidos vão se especializando em alguns Estados. A outra alternativa é o partido deixar de lançar candidatos e passar simplesmente a ser apoio a outras candidaturas, que é o caso do PTB, PP e PR. Esses três partidos basicamente desistiram de entrar em disputas majoritárias, preferindo assumir papel subordinado, muito provavelmente em função de acordos envolvendo a coligação para as eleições proporcionais.

Por que PMDB, ao contrário de PT e PSDB, consegue ter presença nas eleições para governador e não para presidente?

Isso é uma peculiaridade do PMDB. O partido consegue se arraigar nacionalmente, mas a partir de 1998 não participa diretamente do pleito presidencial. Muito provavelmente, falta uma liderança capaz de articular o partido em nível nacional. O PMDB assume nos Estados diferentes facetas. Em parte, isso se deve às origens do partido, que reuniu inicialmente forças opositoras ao regime militar, e forças opositoras com posições ideológicas e estratégias políticas distintas. Aí o PMDB acaba optando por uma estratégia de ser o fiel da balança, e é esse o seu poder de barganha.

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É comum dizer que tem muito partido na arena política brasileira. O que você concluiu a respeito disso?

Essa fragmentação deve ser qualificada. No caso brasileiro, parece que as eleições majoritárias estão concentradas em torno de poucas forças. Esse foi um problema que incomodou boa parte da ciência política brasileira, sobretudo no início do processo de redemocratização, um pouco pelo fantasma da governabilidade. A última experiência democrática brasileira foi marcada por uma ruptura, e havia o fantasma de que um sistema presidencialista combinado com vários partidos iria dificultar a chamada governabilidade e a tomada de decisões. Vale lembrar que o período da redemocratização era marcado por hiperinflação, uma série de planos econômicos frustrados, e boa parte da crítica via na fragmentação um empecilho para que o Brasil tivesse um sistema político minimamente governável.

Mas do ponto de vista efetivo, essa fragmentação não era tanta

Do ponto de vista dos atores que estão penetrando nas arenas importantes, que são as eleições executivas, onde as políticas públicas são desenhadas, não. Significa que há alguma coordenação, dado o custo de entrada. No plano legislativo, a fragmentação assume importância se você supõe que os partidos não vão querer apoiar o governante. A nossa experiência mais recente tem mostrado que isso não é verdade. A base aliada do governo Lula é composto por vários partidos. Eles querem participar do governo. A gente tinha inicialmente um temor, que vem diminuindo, que haveria uma incompatibilidade entre o número de partidos e desempenho político.

O que você diz do argumento de que as eleições se dão entre pessoas, e que os partidos são meros acessórios

Na minha tese eu abordo tanto as eleições presidenciais como as eleições para governador. A questão da mudança partidária é o grande diferencial entre esses dois sistemas. O que eu mostro é que os sistemas partidários nos Estados são relativamente concentrados e permanentes no tempo. Acontece que há uma característica peculiar nesse sistema, que é a mudança de partido das lideranças. Em uma série de Estados, importantes lideranças mudaram de partido. Isso pode ser pensado de duas formas. Uma delas é como estratégia de um partido de se manter ou entrar no sistema. O PMDB recorre muito a esta estratégia, que busca fazer com que um candidato eleito venha para suas fileiras, como no caso do governador eleito do Espírito Santo, Paulo Hartung. Isso faz com que o sistema estadual tenha um dinamismo maior, que a gente não vê no sistema presidencial. A questão de avaliar se isso é sinal de força ou fraqueza dos partidos, é um problema ainda não muito resolvido. De fato, esse componente pessoal, há uma grande estabilidade nos sistemas estaduais.

Com base nessa divisão do trabalho do sistema político, o que se pode esperar em 2010?

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É sempre arriscado fazer previsões, uma fez que os partidos ainda estão barganhando, testando candidatos. Mas me parece que em 2010 a gente assistirá a um reforço dessa concentração. Nas eleições presidenciais, esse reforço vai continuar em torno de PT e PSDB. Me parece que nenhum outro partido ensaia de forma mais efetiva lançar candidato. E nas eleições para governador, esse reforço também deve continuar em torno de PT, PSDB e PMDB.

Que leitura você faz da movimentação em torno de uma possível candidatura de Ciro Gomes em São Paulo?

O ensaio da candidatura de Ciro Gomes reforça o ponto que me parece central: é preciso nacionalizar as candidaturas presidenciais, e você faz isso ou lançando candidatos de suas fileiras ou apoiando um candidato mais forte. O PT tem um grande desafio em São Paulo. As pesquisas mostram que possíveis candidatos petistas têm desempenho pífios ou, na melhor das hipóteses, razoáveis. Uma alternativa é lançar a candidatura Ciro Gomes, ligada ao campo governista, para minar, para fazer frente à possível candidatura de Geraldo Alckmin, que já tem índices elevados de intenção de voto. Isso passa pela estratégia de nacionalização: é preciso que você combata o inimigo, especialmente nos Estados importantes. Ganhar o Estado não é tudo, nesse caso. O PT estaria sacrificando alguma chance de vitória em São Paulo, lançando uma candidatura concorrente no campo ideológico, para reforçar a candidatura da ministra da Casa Civil Dilma Rousseff.

E no PSDB, que papel pode caber ao perdedor da disputa entre Serra e Aécio para sair candidato pelo partido?

Os dois são postulantes com relevância nacional, especialmente o governador de São Paulo. Isso faz com que a disputa interna assuma um caráter fundamental depois do momento eleitoral. O grande desafio é saber em que medida esse nome vai ser escolhido sem criar desgaste ou um racha interno que dificulta a construção de uma candidatura nacional. Aí a opção entre uma chapa pura ou mista vai passar por esse desafio. A opção por uma candidatura pura terá mais dificuldade de aglutinar outras forças que deem suporte nacional.

Essa dualidade PT/PSDB tem fôlego para se manter? O PT de 94 não é muito diferente do PT de hoje?

Eu imagino que tenha fôlego sim. É bom qualificar essa mudança por que passou o PT. O que o partido fez foi deslocar sua posição no espectro político em direção ao eleitor, que é uma característica típica das eleições majoritárias, que tendem a ser definidas em termos de políticas moderadas capazes de aglutinar 50% mais 1. É muito difícil que uma candidatura mais radical tenha êxito nesse tipo de disputa, porque é preciso formar maioria. Eu acho que essa moderação do PT tende na verdade a reforçar essa disputa, uma vez esse espectro político de centro já está ocupado por dois partidos, está mais fechado.

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Essa polarização não passa mais pelo campo ideológico?

Não. É uma polarização de estratégia. Não tem nenhum caráter ideológico.

Como renovar a arena política?

Sobretudo no âmbito dos Estados, há uma mudança de geração, que se dá debaixo para cima. Construir um nome forte nacionalmente é um processo longo. Você precisa disputar eleições seguidas para ficar conhecido. O presidente Lula é o exemplo mais cabal disso, da necessidade de construir seu nome. Eu acho que o processo de oxigenação do sistema partidário se dá debaixo para cima. Agora, é um processo lento, porque é uma disputa difícil, que tende a reforçar antigas lideranças. Mas há um limite para esta estabilidade. Especialmente nos Estados, onde você tem essa dinâmica da mudança partidária, a gente às vezes vê um processo de oxigenação, ainda que pequeno, sobretudo pela expectativa gerada. Há um desgaste da classe política na opinião pública, mas esse desgaste não se reverte no sistema partidário eleitoral, sobretudo nessas disputas, que são custosas e é preciso muito capital político para o êxito.

E qual o papel das lideranças partidárias?

É central. Essa estratégia de lançar ou não candidatos, e em que Estados, é uma tarefa exercida pelas lideranças. E a despeito do senso comum, de infidelidade partidária, indisciplina, também deve ser qualificada. Essa estratégia eleitoral é definida pelas lideranças partidárias, do ponto de vista estadual e nacional. Está na mão de poucos atores. Se olhar para dentro do partido, são lideranças fortes que conseguem aglutinar minimamente o partido, seja porque institucionalmente fortes, seja porque o partido ainda é muito incipiente, e os partidos incipientes são resultado das preferência de seus líderes.

Esse poder das lideranças pode impedir a oxigenação da vida partidária?

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Isso tanto pode ser visto do ponto de vista positivo, mostrando que as lideranças coordenam, e que o sistema partidário não é tão caótico como a gente imaginava, mas também pode ser visto da ótica de que quanto maior o poder das lideranças, menor é o incentivo para a participação da sociedade e para a entrada de novos atores. Do ponto de vista da entrada eleitoral, essa é uma tarefa para líderes já consolidados. O que a existe é que muitas vezes determinadas candidaturas recorrem aos chamados nanicos para entrar na arena eleitoral. Então a gente assiste ao lado dessa concentração em torno dos partidos maiores, uma continuidade de candidaturas dos micropartidos. Isso pode ser lido como uma tentativa de políticos de fora de entrarem na arena eleitoral. Mas fica difícil saber em que medida isso é reflexo de entrada de novos interesses. Me parece mais fruto de projetos pessoais e menos como expressão de alguma renovação mais sistemática. Acontece que o regime democrático é por definição conservador, e esse conservadorismo também se expressa na falta de oxigenação a que em alguns momentos a gente assiste na política brasileira.

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