País vive ''''Estado Novo do PT'''', diz pesquisador

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Por Wilson Tosta
Atualização:

Um governo que absorve as representações corporativas de trabalhadores e empresários, com um chefe de Executivo carismático a mediar interesses conflitantes, fortalecido pela crescente centralização do Estado. Qualquer semelhança da administração comandada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva com o Estado Novo de Getúlio Vargas (1937-1945) não é mera coincidência para o cientista político Luiz Jorge Werneck Vianna, do Instituto Universitário de Pesquisas do Estado do Rio de Janeiro (Iuperj). Ele vê na forma como Lula age na política e na economia - nesta, com a volta a um certo nacional-desenvolvimentismo, ao lado de gestões financeira e fiscal ortodoxas - ecos do ideário que gerou o trabalhismo brasileiro. E, em tom algo irônico, batiza a formação: ''''Estado Novo do PT''''. ''''É uma metáfora, mas é mais do que uma metáfora'''', diz. O pesquisador descreve algumas características que vê no ''''Estado Novo petista''''. Uma é a lentidão para decidir, pela necessidade (e dificuldade) de conciliar interesses em luta em seu interior, evidenciada na crise aérea. Outra, a tendência ao esvaziamento da democracia, seria reforçada pela desmoralização do Legislativo causada pelos sucessivos escândalos. Há ainda a desmobilização social, com a formação de uma ampla clientela com programas como o Bolsa-Família. A popularidade de Lula, diz, mantém os setores antagônicos unidos no Estado. ''''Está bom ficar lá dentro.'''' Mas a formação, opina, tende a se quebrar na sucessão em 2010. Com uma possibilidade: a de as corporações exigirem que o presidente continue. O sr. diz que o Brasil vive um ''''Estado Novo do PT''''. O que é isso? O que a gente vem observando é o uso de recursos políticos que tiveram muita presença em décadas passadas. Sintoma: a representação profissional, o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, que é uma representação de corporações. Outro sintoma: a presença na própria estrutura ministerial de representação das corporações. O ministro Furlan... Não é que ele tenha sido indicado pela corporação dele, era um nome de consenso na corporação que foi indicado, exatamente, para falar por ela. O Rodrigues, lá da Agricultura... É o agronegócio. A presença da CUT e de outras centrais também. Não que a sociedade não esteja representada. Ela não está representada politicamente, está representada através de suas corporações. O senhor acha que isso esvazia a democracia? Tende a. Tende a. Porque o Executivo absorve todas as forças vivas da sociedade. Qual foi a operação que o Estado Novo getuliano fez? Exatamente esta: tudo o que era vivo na sociedade ele trouxe para si. Tal como agora. Trouxe para si e, de cima, formula políticas para a sociedade. Mas não é exagero comparar o atual governo com a ditadura do Estado Novo? Eu não disse que há uma reiteração. Inclusive porque vivemos num regime democrático. O presidencialismo de coalizão, que é a forma através da qual este sistema se acopla à representação, ainda incentiva isso. Porque é o Estado que vai aos partidos e seleciona os próceres que vão fazer parte dele. Para onde você olha, só vê Executivo. O parlamento está esvaziado. Mas esse parlamento assim vulnerável interessa ao Executivo. Além do mais, estamos passando por um processo de centralização muito forte no Brasil. Exemplo? O SUS? Entre tantos. A centralização está agora associada a pressões democratizantes. Esse diagnóstico é clássico, é de Alexis de Tocqueville, em A Democracia na América. Ele dizia que a democratização da vida social conduziria ao despotismo burocrático, que leva ao crescente reforço do Estado. Dessa hipótese, estamos encontrando plena confirmação entre nós. Mais um exemplo: a Força Nacional de Segurança. O Conselho Nacional de Justiça... Isso não tem nada a ver com este governo, viu? É um processo que já vinha do governo Fernando Henrique e tem a ver com demandas por democratização. O atual Estado trabalha como árbitro, acima das classes, como no populismo? Tento qualificar como um Estado de compromisso, de composição. Em que o presidente da República, segundo suas próprias palavras já ditas na televisão, deixa que os dissídios internos amadureçam e no final arbitra e decide. Isso não leva à paralisia? Temos uma crise aérea há 10 meses... A preservação desse equilíbrio leva a uma certa falta de agilidade na tomada de decisão. Porque tem que compor muitos interesses. A situação já era desastrada. Então, alguma coisa tinha que ser feita, mas nada podia ser feito, porque todos tinham que ser minimamente contemplados. Outro exemplo de demora: a nomeação de Luiz Paulo Conde para Furnas agora... Mas é isso. Não tem jeito. Ou teria jeito, se fosse um governo que assumisse riscos, se ele não assumisse tanto o modelo do Estado Novo. Lula foi eleito em 2002 com forte sentimento de mudança. Agora, se o objetivo é mudança, não pode ter esse modelo, pode? Mudança é contrariar interesses. Sob esse ponto de vista, o governo Lula fracassou. A opção foi a do equilíbrio. Equilíbrio para quê? O caminho de mudanças efetivas significava aproximar o País da forma das revoluções. E isso, de outro lado, importaria no governo mobilizando a população em sua defesa. Esse foi o quadro que o partido do governo e o presidente quiseram evitar. O caminho foi governar com o outro, com aquele que tinha sido derrotado. Meirelles no Banco Central, Meirelles e tutti quanti, a estrutura Meirelles. O que era para ser contingente foi se tornando permanente. Agora, isso significou o quê? Este governo do PT, que veio pela esquerda, decapitou os seus adversários, incorporando as suas práticas. Isso explica a paralisia do PSDB? O PSDB ficou morto. Bateram-lhe a carteira da estabilização monetária. A esquerda também foi contemplada, com o tema do justo, a área social do governo. Temporão na Saúde, este Haddad na Educação, o Bolsa-Família... Agora, são todos programas estatalizados. Então, na verdade, o que você tem hoje no País é uma clientela inumerável, longe do cenário de um governo de esquerda que mobiliza e organiza a sociedade. A sociedade está desmobilizada e desorganizada. Por isso, vale a pena evocar formas anteriores, modelos anteriores, como o do Estado Novo. É uma metáfora, mas mais que uma metáfora. Alguns recursos, alguns instrumentos de governo, uma certa forma de conceber a política no Brasil, foram readaptados. O PAC seria uma tentativa de retomada do nacional-desenvolvimentismo? E num cenário muito desfavorável, porque é o cenário em que Palocci, Meirelles e tutti quanti já tomaram conta há muito tempo. Mas de qualquer forma essas duas pontas podem conviver. Essa combinação heteróclita foi constitutiva do Estado Novo. Daí que o inventário de idéias e práticas do Estado Novo se tornou muito útil para ser recuperado. O que dá para prever? Esse equilíbrio só é possível a partir da atuação do Lula. Ele tem força, carisma, para segurar essa colcha. Essa federação é boa para todos. Então, o Stédile tem os seus rompantes, mas continua parte do governo. O pessoal do agronegócio tem lá seus problemas com os sem-terra, mas fica, porque está bom ficar lá dentro. Agora, cada um já procura jogar por fora do marco do Estado, sabendo que, trazendo força da sociedade, pode conseguir margem de manobra maior. Na medida em que todos começarem a fazer isso, esse equilíbrio vai ficar insuportável. Nem o carisma do Lula vai segurar. Quando isso vai acontecer? Na medida em que formos chegando perto das eleições. Qual é o risco de toda essa situação? É que, chegando a 2010, todos esses envolvidos e mais a vocalização das massas digam: Lula, não saia, que vai ser um inferno. Há quem diga no PT que o governo não tem projeto de mudança, mas de poder... É isso. Mas o Lula não é mais o PT. Agora, entender as exigências de uma vida pública mais assentada, de padrões éticos maiores na população, como um moralismo UDN dos anos 50, eu não aceito. Engraçado, não? É como se estivessem defendendo um governo de estilo soviético até as últimas conseqüências. Só se pensa na substância, nunca se pensa na forma. A forma é importante, a forma democrática é importante. Inclusive a substância, no que tem de mais relevante, no que há de mais seiva nela, vive, corre, pelos sindicatos, pelos partidos políticos. E não por esta representação encarnada no chefe do Executivo, no chefe da Nação, como as coisas estão aparecendo hoje. Quem é: Werneck Vianna >Graduado em Direito e Ciências Sociais. É mestre em Ciência Política (Iuperj). Tem doutorado em Sociologia (USP). Cursou pós-doutorado em Sociologia do Conhecimento (Università degli Studi di Milano) >É professor do Iuperj >Ex-militante do PCB, chegou a exilar-se nos anos 70, durante o regime militarG

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