‘País precisa é de uma CPMF pública’

Entrevista com Eurico Marcos de Santi, professor de Direito Tributário da FGV

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Por Redação
Atualização:

SÃO PAULO - Em resposta à ofensiva de governadores e assessores do Planalto que querem de volta a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), o professor Eurico Marcos de Santi, da FGV São Paulo, faz um desafio: que se crie uma CPMF pública. Assim, cada movimentação de dinheiro dentro de qualquer órgão do governo, seja federal, municipal ou estadual, será registrada e pagará uma pequena taxa. Ninguém sairá perdendo - o dinheiro vai para um cofre público, que pode devolvê-lo, eletronicamente, ao caixa original.

 

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"Seria uma revolução nos gastos públicos, nos costumes políticos. Criaria uma transparência que jamais existiu, e sem a qual é inútil falar-se em reforma tributária", afirma de Santi, especialista em direito tributário, que coordena o Núcleo de Estudos Fiscais (NEF) da Faculdade de Direito GV.

 

A ideia não é nova. Já estava na lei que criou, em 1993, o Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira (IPMF). No fim do debate, acabou sendo retirada. "É incrível que o Estado avance tanto nos controles da vida financeira dos cidadãos e se empenhe tanto em ocultar os movimentos dele", diz o professor. "O Brasil que tem o Ficha Limpa precisa, também, criar o Conta Limpa."

 

A que o sr. atribui esse novo esforço pela volta da CPMF?

 

É para aumentar a receita de novo, e sem precisar dividir com Estados e municípios, já que é contribuição e não imposto. E, pela falta de clareza nos meandros da burocracia, não há como garantir que é para a saúde. Aqui no NEF já temos longa experiência de como é difícil seguir esses caminhos. Quando havia a CPMF, e entravam R$ 40 bilhões a cada ano, eles simplesmente iam tirando o dinheiro normal do Orçamento destinado à saúde. Ela continuou com os mesmos recursos.

 

Por que é tão difícil acompanhar os gastos?

 

Há relatórios, balanços, muitos sites na internet, mas o essencial quase nunca aparece. Lá no fim sabe-se apenas que o dinheiro foi para "material de uso ou consumo", ou "contratação de terceiros", por aí. Num hospital, terá ido para comprar seringas? Reformar salas? Um carro novo para o diretor? Não explicam. O problema central do governo é esse, transparência. O Estado mente.

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Contra tudo isso o sr. sugere uma CPMF pública. Como seria?

 

Todas as transferências da União para Estados e municípios, ou dos Estados para os municípios e todos os desembolsos teriam de pagar uma taxa. O que importa é o registro dela no sistema bancário. Esse registro, feito pela CPMF no passado, com os contribuintes comuns, salvou o caixa do País.

 

Salvou de que modo?

 

Construiu um raio X de todo o dinheiro se movendo de mão em mão, ou de conta em conta. Ofereceu à Justiça as provas, que são essenciais para um processo contra um sonegador. O sujeito declarava R$ 100 mil, mas via-se que ele gastou R$ 1 milhão. Juntando a CPMF com a obrigação dos bancos de declarar ao Banco Central as movimentações semestrais acima de R$ 6 mil, ficou quase impossível mentir. Não foi à toa que a carga tributária aumentou, em uma década, de 25% para 35% do PIB, coisa nunca vista antes em nenhum outro país.

 

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Não será uma ideia difícil demais de executar?

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Isso já foi feito antes, na criação do IPMF, em 1993. Mas os adversários a derrubaram, dizendo que era inconstitucional a União taxar os outros Poderes. Isso lhes retiraria a autonomia. Criar essa CPMF pública pressupõe, de fato, mexer na Constituição. Mas pergunto, para não mexer o Brasil deve continuar com o caos atual, em que o cidadão jamais pode saber o que fazem com seu dinheiro? Com uma carga tributária de 54%, real, para quem ganha entre 1 e 2 salários mínimos? Quantos sabem que, dos R$ 120 de um Bolsa-Família, o beneficiário devolve R$ 65 em imposto? Sem transparência você não moderniza o Brasil.

 

Por que o governo abriria mão do dinheiro, se o discurso é que ele está faltando?

 

Não iria custar nada. A tecnologia financeira permite, sem dificuldades, criar um sistema que reconduziria o dinheiro cobrado de volta às origens. Não fazem isso porque não querem e porque a cidadania ainda não se dispôs a exigir. Acho que o Brasil que está implantando o Ficha Limpa precisa, também, criar o Conta Limpa."

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