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Os sonhos da Floresta Amazônica

Causos e histórias da floresta, contados por seus habitantes

Por Roberto Almeida
Atualização:

 Txami Matis não precisou ser perguntado para começar a contar causos de onças de sua aldeia, no rio Ituí. O clima era propício. A noite caiu, com céu estrelado, e somente a luz do piso inferior do barco iluminava de baixo para cima seu rosto. A cena ainda ganhou um toque extra de suspense porque o rosto de Txami é adornado por pedaços de madeira e tatuagens, que garantem aos matises o apelido de homens-onça.

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A roda de conversa, protagonizada por Txami, contava com o piloto Valderi, o marinheiro Rafael e o mateiro Wilson Kanamari. O índio matis se divertia ao contar as histórias, falava com pompa.

 

A primeira foi de um parente de Txami, que corria na floresta atrás de uma anta para caçar. E, sem querer, pisou em cima de uma onça, que estava escondida na mata. O susto foi tão grande que o parente se desequilibrou, mas conseguiu escapar. E deu risada.

 

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A segunda teve sangue. Outro parente de Txami plantava macaxeira quando foi mordido na cabeça por uma onça, e está no hospital em Manaus. Em detalhes, o matis explicou que a fera começa a comer a vítima pelo pescoço, e rói dali para dentro do tórax em busca do coração e do fígado. Aí Txami já não riu tanto.

 

Na terceira, foi causo de patada. Parente de Txami caçava macacos com uma zarabatana quando sentiu uma garra arranhar o ombro e descer pelo braço, rasgando o músculo. Mas se salvou.

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Wilson Kanamari aproveitou o embalo e, de sua voz estancada, saíram mais histórias de onças de Remansinho, sua aldeia no rio Itaquaí, dentro da Terra Indígena Vale do Javari.

 

Na sequencia, Txami e Wilson começaram a falar das consequencias dos causos de onça. Os pesadelos.

 

Índios não precisam do conto de fada da Chapeuzinho Vermelho para saber que não dá para tomar o caminho errado na floresta. A realidade da Amazônia é mais que suficiente para povoar o inconsciente de imagens de perigo.

 

E então vêm as elaborações dos causos de onça em forma de sonho. À noite, os sons da floresta excitam a imaginação, e o resultado é previsível: alguns acordam suando, com medo, ou até gritando.

 

O marinheiro Rafael garante que esses dias sentiu uma onça roçando o lado direito de sua rede à noite. Não conseguiu mais dormir. O ticuna Misael acordou resfolegando, achando que o barco estava afundando.

 

Mas a história mais tragicômica foi contada por Txami. Um mateiro acordou aos berros, achando que macacos estavam lhe arrancando os testículos.

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