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O jogo da democracia no Brasil e no mundo

Os populistas e seus moinhos de vento

Nomear e cultivar inimigos é a estratégia clássica do populista

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Por João Gabriel de Lima
Atualização:

“Procure o inimigo!” Jânio Quadros sacava seu bordão quando tinha que comunicar alguma medida impopular e pedia aos assessores que dourassem a pílula. Ficou famoso o episódio em que, ao anunciar um aumento na gasolina, jogou a culpa nos... Estados Unidos. No Brasil sempre pega bem responsabilizar os “americanos”, embora a maior parte de nossos problemas seja fruto de nossa própria incapacidade em resolvê-los.

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Nomear e cultivar inimigos é a estratégia clássica do populista – aquele tipo de governante que, na definição dos cientistas políticos, se apresenta como defensor do “povo” contra as “elites”. No rótulo de “elites” cabe quase tudo: os “globalistas”, sem levar em conta que a circulação de bens, pessoas e conhecimento é crescente e irreversível no mundo atual; os “comunistas”, embora eles sejam irrelevantes no ocidente desde o fim da União Soviética, há 30 anos; ou os “políticos” – apesar do fato incômodo de que todos os populistas são, antes de tudo, políticos.

Qual cavaleiros medievais, o presidente americano, Donald Trump, e o brasileiro, Jair Bolsonaro, costumam girar suas maças contra esses três moinhos de vento. Ao longo da semana os dois estiveram nas manchetes das plataformas de notícias. Bolsonaro por dizer que o Brasil estava quebrado e ele não podia fazer nada, embora presidentes sejam superpoderosos em regimes presidencialistas. Trump pela proeza de incitar um cara-pintada chifrudo e sua gangue contra o Capitólio – onde um colégio eleitoral homologaria, horas mais tarde, a vitória do democrata Joe Biden (o Estadão tratou dos dois assuntos em editoriais).

Em conversa informal com apoiadores, Bolsonaro disse ter acompanhado a façanha de seu contraparte americano (“sou ligado ao Trump, né?”). Afirmou também que, como Trump, desconfiava de fraudes eleitorais, tanto na eleição americana quanto na brasileira – dando a entender que pode usar o mesmo argumento em 2022. Os dois presidentes “ligados” têm um quarto moinho de vento comum: as urnas, sejam elas eletrônicas ou de papelão.

No Brasil ou nos Estados Unidos, parte do apoio a populistas é interesseira ou ocasional. Lucas Berlanza, diretor-presidente do Instituto Liberal, um dos mais tradicionais “think tanks” da direita brasileira, chama isso de “Estratégia Jânio Quadros”. Segundo Berlanza, personagem do minipodcast da semana, foi o que ocorreu quando a UDN de Carlos Lacerda apoiou Jânio, e quando alguns liberais brasileiros endossaram Bolsonaro. Nos dois casos, deu errado. O apoio a Jânio destruiu a UDN. E os liberais, ao perceber que Bolsonaro não era um deles, vão desertando pouco a pouco do time do ministro Paulo Guedes. 

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O apoio de vários republicanos a Trump segue uma lógica parecida. Chocados com a gangue do chifrudo, muitos desembarcaram da canoa populista ao longo da semana passada. Pilares do partido e alguns de seus líderes mais populares renovaram o repúdio a Trump. O ator Arnold Schwarzenegger e o senador Jeff Flakes, herdeiro da tradição conservadora de Barry Goldwater, publicaram artigos-manifesto na The Economist e no New York Times.

A revoada dos apoiadores ocorre quando eles atentam para uma verdade incontornável. É da natureza dos populistas nomear e combater moinhos de vento. Quando seus seguidores atacam símbolos da República como o Capitólio, fica claro, no entanto, que pelo menos um de seus inimigos nada tem de imaginário: a própria democracia.

Para saber mais

Mini-podcast com Lucas Berlanza:

Editorial do Estadão sobre Bolsonaro

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Coluna de Adriana Fernandes sobre Bolsonaro

Editorial do Estadão sobre Trump

Artigo de Carlos Gustavo Poggio sobre republicanos

Texto de Arnold Scwarzenegger na The Economist

Texto de Jeff Flakes no The New York Times

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*ESCRITOR, PROFESSOR DA FAAP E  DOUTORANDO EM CIÊNCIA POLÍTICA NA UNIVERSIDADE DE LISBOA

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