Os locais onde a República foi tramada e nasceu

Rio, interior paulista e São Paulo abrigaram personagens que lutaram para dar fim à Monarquia

PUBLICIDADE

Por José Maria Tomazela, Gilberto Amendola e Caio Sartori
6 min de leitura

O movimento pela República envolveu personagens e locais em vários pontos distantes da capital do Império. Como o interior de São Paulo. Dezesseis anos antes de Deodoro proclamar a República na área do Campo de Santana, no Rio de Janeiro, em Itu (SP) era realizada a Convenção Republicana, um dos marcos da luta pelo fim da Monarquia.

O evento ocorreu em um casarão de dois pavimentos. Construído no início do século 19, era residência de Carlos Vasconcelos de Almeida Prado. Passou por reformas, mas mantém a estrutura original, segundo a historiadora Anicleide Zequini, do Museu Convenção de Itu. “A fachada é a mesma que os convencionais viram, com azulejos portugueses na platibanda, as mesmas portas e janelas”, descreve. Adquirido pelo Estado, foi transformado no museu inaugurado em 18 abril de 1923. 

Casarão da família Almeida Prado sediou a Convenção Republicana, 16 anos antes da Proclamação Foto: Epitácio Pessoa/Estadão

A convenção registrou as presenças de 133 convencionais de 16 cidades paulistas, incluindo a capital. “Mas com certeza foram mais de 200, nem todos registraram presença”, afirma. “Campinas e outras cidades disputaram a realização da convenção, mas a votação feita nos clubes republicanos deu a vitória a Itu”, conta Anicleide. 

O pesquisador e historiador Genaro Campoy Scriptore, que escreve um livro sobre o período, afirma que Campinas esteve no centro do movimento. “Os ideais republicanos se intensificaram a partir da revolução (liberal) de 1842, iniciada em Sorocaba e que se estendeu para outras cidades do interior, principalmente Itu e Campinas. Aqui (Campinas), o padre Diogo Feijó, ex-regente do Império, aderiu ao levante que ficou marcado pelo combate em que ao menos 17 campineiros morreram.”

Segundo o pesquisador, o campineiro Manuel Ferraz de Campos Sales logo assumiu a linha de frente dos republicanos, que tinham em Francisco Quirino dos Santos e seu irmão, João, os doutrinadores liberais. “Era um grupo apoiado pela maçonaria, que incluía Prudente de Moraes e Rangel Pestana, que morou um período em Campinas. Campos Sales formou-se em 1863 na Faculdade de Direito de São Paulo e Prudente era seu colega de turma.”

Com a República, Campos Sales se tornaria o quarto presidente do País e o segundo eleito. Governou de 1898 a 1902 e deixou marcas importantes em sua terra natal. O casarão onde nasceu e morou grande parte da vida, no entanto, foi demolido e em seu lugar ergueu-se um prédio de 12 andares. Mas o Centro de Ciências, Letras e Artes, entidade particular sem fins lucrativos, abriga em suas instalações o Museu de Campos Sales. 

Continua após a publicidade

O local, no entanto, foi alvo de ladrões em agosto de 2013: levaram cerca de 100 peças, entre elas documentos originais de Campos Sales, uma carta do imperador chinês Guangxu e um livro com dedicatória sobre a história da dinastia Romanov, doado em sua posse como presidente por Nicolau II, último czar russo. 

Monumento de Campos Sales, campineiro que foi da linha de frente do movimento republicano para a Presidência Foto: Epitácio Pessoa/Estadão

Em Piracicaba, a casa onde morou o primeiro presidente civil do Brasil, Prudente José de Moraes Barros (1894-1898), está preservada. Prudente nasceu na vizinha Itu, em outubro de 1841, mas passou 32 anos de sua vida em Piracicaba, onde morreu. 

O casarão com nove cômodos de estilo eclético – do neogótico ao imperial – contrasta com as construções modernas da região. A antiga sala de visitas da família Moraes e Barros virou um espaço para exposições temporárias. O acervo de 12 mil peças aborda a história de Piracicaba, mas o foco principal é a vida de Prudente. Dele, há peças e objetos pessoais. 

Casa onde viveu Prudente de Moraes, o primeiro presidente civil do País, está preservada Foto: Epitácio Pessoa/Estadão

Em Rio Claro, viveram personagens importantes do movimento republicano como José Alves de Cerqueira César, Alfredo Ellis, Cândido Valle e Campos Sales. Com o fim da Monarquia, a Praça Matriz da cidade foi rebatizada de Praça da Liberdade e nela foi plantada, exatamente um mês após a proclamação, a Árvore da República. Mas ela secou. “Não deixa de ser simbólico, pois nossa República, aos 130 anos, também precisa ser revigorada”, afirma o jornalista e pesquisador José Roberto Sant’Ana. Para manter a tradição, a prefeitura informou que vai plantar outra árvore no local. 

Da família de Cerqueira César, poucos vestígios restam na cidade. O clube Philarmônica Rioclarense, fundado em 1879, do qual o republicano foi o primeiro presidente, resiste. Mas o prédio clássico da época deu lugar a outro ‘modernoso’. Lá, os cafeicultores se reuniam para tramar contra o imperador, afirma o pesquisador. O Teatro Fênix, onde houve o lançamento do Partido Republicano de Rio Claro, está ocupado por lojas.

Continua após a publicidade

Árvore símbolo da República foi plantada em Rio Claro, mas secou Foto: Epitácio Pessoa/Estadão

Na capital paulista, também é possível encontrar marcos importantes do período. Na Praça da República, cujo o próprio nome dispensa explicações, está o edifício Caetano de Campos, sede da primeira Escola Normal Paulista – e que hoje é sede da Secretaria Estadual da Educação. “Os republicanos, e Caetano de Campos foi um republicano de primeira hora, acreditavam que era pela educação que iriam mudar a sociedade. Para eles, os prédios das escolas deveriam ser verdadeiros templo da civilização”, conta o historiador Diógenes Lawand, do núcleo de memória do Centro de Referência em Educação Mario Covas (CRE Mario Covas). 

Outro marco da República na cidade é a Faculdade de Direito do Largo São Francisco. “Muitos consideram que foi da Faculdade de Direito do Largo São Francisco que partiram os principais movimentos do século 19: o abolicionismo e o movimento republicano. De fato, a faculdade sempre foi um lugar de concentração intelectual, um celeiro de homens públicos”, diz a museóloga Heloisa Barbuy, especialista no acervo da faculdade. 

Faculdade de Direito do Largo São Francisco inspirou republicanos Foto: Nilton Fukuda/Estadão

Em seus bancos, como mencionado, estiveram Campos Sales e Prudente de Moraes. Entre as figuras históricas da faculdade, Heloísa destaca Américo Brasiliense – que já em 1873 presidia a convenção de Itu, que deu início ao movimento republicano em São Paulo. 

Todos esses locais estão conectados a republicanos que contribuíram para que, em 15 de novembro de 1889, o marechal Manuel Deodoro da Fonseca ajudasse a dar fim à Monarquia. Estava doente, de pijama, quando o convocaram para a missão. Foi no Campo de Santana, o epicentro da antiga capital – e, portanto, do País. Da casa em que morava, ao lado da praça, foi de carruagem, puxada a cavalo, ao encontro de militares revoltosos, a cerca de 650 metros de onde estava. Era o início da Proclamação. 

A expansão da área onde a República veio à luz ocorreu no século 20, com a construção da Central do Brasil, da Avenida Presidente Vargas e da sede do Comando Militar do Leste no espaço do Palácio Duque de Caxias. Foto: Wilton Junior/Estadão

Continua após a publicidade

Assim nomeado por causa da antiga Igreja de Sant’Ana, localizada na área em que hoje é a Central do Brasil, o Campo de Santana era onde as coisas aconteciam na cidade: sediou festas e comemorações políticas e militares. Lá, d. Pedro foi aclamado imperador. 

No entorno, a casa de Deodoro foi transformada em Museu Histórico do Exército e expõe peças do marechal. O Palácio do Itamaraty foi sede do governo republicano de 1889 a 1898 e depois, até 1970, abrigou o Ministério das Relações Exteriores. 

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.