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Os laços de Jader com o escândalo da fazenda fantasma

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Por Agencia Estado
Atualização:

O engenheiro Antônio César Pinho Brasil, responsável pela Secretaria de Recursos Fundiários do Ministério da Reforma e do Desenvolvimento Agrário, passou um telexograma de Brasília para a delegacia regional do órgão em Belém. Pedia que lhe fosse encaminhado "urgentemente" o processo de desapropriação da Fazenda Paraíso, de interesse de Vicente Paula Pedrosa da Silva, que estava tramitando na representação paraense do Ministério. Aconteceu no dia 9 de junho de 1988. Alegava ele que o fazendeiro desapropriado entregara diretamente à Seref o documento que faltava para concluir o processo expropriatório, formalizado através do decreto 96.085, assinado pelo então presidente José Sarney e pelo ministro Jader Barbalho, duas semanas antes (a 23 de maio). A pressa de Brasil era tão grande que ele pedia que, "caso possível", o processo fosse entregue ao chefe local do cadastro do Incra, Henrique Santiago, "que, segundo informação, está viajando para Brasília nesta data". O delegado regional do Mirad, Ronaldo Barata (hoje ele é presidente do Instituto de Terras do Pará, órgão do governo estadual, comandado pelo tucano Almir Gabriel), atendeu a solicitação e remeteu o processo, que ainda estava em curso. Com ele em mãos, Brasil tratou de cumprir o decreto presidencial, que declarara "de interesse social, para fins de desapropriação", os 58 mil hectares da fazenda, situada no município de Viseu, na divisa entre o Pará e o Maranhão. Transação escandalosa Mas o que deveria ser um momento importante do processo de reforma agrária acabou se transformando numa das mais escandalosas transações agrárias da história do país: o governo havia investido milhões de reais (o valor final ainda não foi levantado) numa terra que simplesmente não existia. A Fazenda Paraíso era, na verdade, uma fazenda fantasma. Na semana passada, o juiz substituto da 12ª vara da Justiça Federal de Brasília, Eduardo Morais da Rocha, condenou Brasil a cinco anos e quatro meses de reclusão. Ele foi apontado como o principal responsável pelas irregularidades apuradas pelo Ministério Público no processo desapropriatório. Outros dois funcionários do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) também foram condenados por envolvimento na fraude. Para o beneficiário, Vicente Pedrosa, a pena foi a maior, de seis anos de prisão, em virtude dos seus "antecedentes desabonadores". Todos, porém, poderão recorrer da sentença em liberdade. Os responsáveis pelo inquérito administrativo, instaurado logo que denúncias foram apresentadas, em 1989, temiam que Antônio Brasil escapasse da responsabilização penal. É que o texto do telegrama por ele expedido, através do telex 911168ICRA BR (e que recebeu o número 1820), havia sido retirado do processo de desapropriação. Dessa maneira teria sido eliminada a prova de que ele "chegou a avocar o processo administrativo para assim subtrair fases e adiantar o curso normal do feito", conforme a observação do juiz Eduardo Rocha, na sentença. Se no processo não restou demonstrada nenhuma vantagem financeira de Brasil, sua participação no andamento da desapropriação gerou benefício para o suposto dono das terras. Vicente Pedrosa aparecia como o proprietário, mas foi suscitada a possibilidade de que a Fazenda Paraíso fosse, na verdade, integral ou parcialmente, uma antiga propriedade, constituída com base em título de sesmaria, a Campos do Piriá. Só que essa área fora vendida em 1982 a uma madeireira, a Bannach, por seu então dono, o deputado federal do PMDB Jader Barbalho. Nesse mesmo ano ele concorreria ao governo do Estado, vencendo sua primeira eleição para um cargo executivo na administração pública. Surpresos com a desapropriação de terras que consideravam suas, sem conseguir identificar na área um imóvel com o nome de Fazenda Paraíso, embora suas atividades remontassem "já alguns anos" na região, seis fazendeiros solicitaram logo em seguida ao Mirad a sustação do processo, que diziam ter sido montado "sem as cautelas devidas". Eles confessaram sua "perplexidade maior" porque "existem muitas dúvidas quanto a existência de tal área, principalmente nas dimensões apontadas", numa região onde mesmo os maiores imóveis não têm o tamanho dos latifúndios característicos das áreas de mais recente ocupação no Pará. Os fazendeiros criticaram o "tempo recorde" da desapropriação, observando que se pelo menos tivesse sido realizada uma vistoria no local, "certamente que seria detectado o aqui denunciado e o mais grave: pelas características e descrições do decreto, englobaria as propriedades dos signatários". Mas entre dezembro de 1988, quando a denúncia foi protocolada no Mirad em Belém, e 28 de março do ano seguinte, quando foi finalmente considerada, o ato que combatiam se consumou por inteiro. No dia 27 de outubro, Leopoldo Bessone, o quinto em quatro anos iniciais de Mirad, já então substituindo Jader Barbalho, que havia assumido o Ministério da Previdência Social (levando Brasil consigo e dando-lhe a direção do Iapas, o braço financeiro da previdência), assinou a escritura de "desapropriação amigável" do imóvel. Vicente de Paula Pedrosa da Silva recebeu 547 milhões de cruzados de então pelas benfeitorias supostamente existentes na fazenda e mais 55.221 Títulos da Dívida Agrária pela terra nua. Essas TDAs podiam ser resgatadas em cinco anos, 40% delas já no segundo ano. Os seis fazendeiros que realmente atuavam no lugar não viram, mas a engenheira agrônoma Norma Iracema Santana, do Projeto Fundiário de Paragominas, esteve em Viseu. Foi ela quem fez a única vistoria in loco. No que imaginou ser a Fazenda Paraíso (por falta de precisão na descrição do imóvel, que não estava demarcado), só conseguiu encontrar três hectares de capim. Mas, ao invés de uma situação conflituosa, capaz de justificar a intervenção expropriatória do governo, constatou haver harmonia entre proprietários, colonos e posseiros. A técnica constatou haver "divergências técnicas" na documentação que Vicente Pedrosa juntou quando propôs ao Mirad a desapropriação de sua fazenda, alegando que não conseguia desenvolvê-la, apesar de ter um projeto Sudam aprovado, porque a área havia sido invadida por posseiros, causando-lhe "prejuízo muito grande e incalculável", porque já havia investido recursos próprios por conta dos incentivos fiscais, que acabaram não sendo liberados. Tudo decidido pelos homens de confiança de Jader As divergências ficaram visíveis aos olhos do advogado Sebastião Azevedo, diretor do Incra, quando o processo lhe foi submetido. Ele observou que as certidões de registro imobiliário do imóvel não estavam autenticadas. O detalhe teria mero valor burocrático, não fosse a circunstância de que um dos livros de registros imobiliários do cartório de Viseu simplesmente havia desaparecido. Por coincidência, aquele no qual provavelmente estariam registradas a Fazenda Paraíso e a Campos do Piriá. Todas as advertências, ponderações e recomendações feitas a partir de então por Azevedo e outros dois técnicos do Mirad (Célia Cavalcanti Ribeiro e Wellington Mendes Lopes) forram atropeladas pelas expedidas providências de Brasil e ignoradas nos atos sucessivamente assinados por Barbalho, Sarney e Bessone. Para tal celeridade contribuiu decisivamente a interferência final do secretário da Seref, fazendo o processo retornar a Brasília sem ter recebido um despacho conclusivo na base operacional do Ministério. O que guardava coerência com a própria história dessa transação: tudo, nela, foi decidido em Brasília pelos homens de confiança de Jader Barbalho. Que agora, ainda na capital federal, começam a ser punidos.

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