Orçamento secreto: ‘Emenda ajuda a acalmar o Parlamento’, admite Bolsonaro

Presidente assume que dá cargos e recursos ao Centrão em troca de apoio político

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Por Eduardo Gayer
Atualização:

BRASÍLIA – O presidente Jair Bolsonaro assumiu que oferece cargos e recursos federais ao Centrão em troca de apoio político no Congresso. O chefe do Executivo disse ainda que as emendas, no esquema do “orçamento secreto” revelado pelo Estadão, “acalmam” os congressistas. Durante a campanha de 2018, Bolsonaro havia prometido não comprometer seu governo com apadrinhamentos políticos e chegou a declarar que presidente que entrega cargos em estatais ou ministérios viola a Constituição e pode estar cometendo crime de responsabilidade.

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“Para aprovar qualquer coisa, em especial Emenda Constitucional, passa por eles (parlamentares do Centrão). Agora, nosso relacionamento não é como no passado. Alguns cargos foram dados para partidos de centro, sim, não vou negar isso aí. Agora, nós temos filtros”, disse o chefe do Executivo em entrevista a um podcast veiculada nesta segunda-feira. Bolsonaro comentou ainda os R $16,5 bilhões destinados ao orçamento secreto deste ano. “Essa outra parte de emenda ajuda a acalmar o Parlamento. O que eles querem, no final das contas, é mandar recursos para sua cidade”.

Em 2018, Bolsonaro afirmou que "qualquer presidente que porventura distribua ministério, estatais, ou diretorias de banco para conseguir apoio dentro do parlamento, está infringindo o art. 85 do inciso dois da constituição". Esse artigo trata dos crimes de responsabilidade.

Nesta segunda-feira, 11, o presidente voltou a atacar os jornalistas que revelaram o esquema. "(Quem) fala em orçamento secreto é mau-caráter, falta de caráter por parte da imprensa, é publicado no Diário Oficial da União. Eles têm acesso ao que é feito", afirmou o presidente. Na época em que o Estadão revelou o esquema, Bolsonaro já havia chamado os repórteres do jornal de "jumentos".

'Essa outra parte de emenda ajuda a acalmar o Parlamento', disse o presidente. Foto: Ueslei Marcelino/ Reuters

Em maio do ano passado, o Estadão revelou que o governo montara esquema para dar a parlamentares o poder de indicar diretamente repasse de verbas para seus redutos eleitorais, sem a identificação de quem fez a indicação, impedindo o rastreamento por órgãos de controle. Por essa razão, o esquema ficou conhecido como "orçamento secreto". Ao contrário do que disse o presidente, as informações sobre o autor da indicação da verba não consta em nenhum registro público. As indicações eram feitas diretamente pelos políticos até por mensagens de whatsapp.

O Estadão chegou a pedir acesso a essas informações, mas o Senado se negou a divulgá-las alegando risco a segurança nacional. Após a divulgação do caso, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que a prática fosse suspensa até que o Congresso identificasse os parlamentares que apadrinharam a distribuião de verbas, o que não foi feito até hoje.

Eleito com o discurso da antipolítica apesar de ter sido deputado federal por 28 anos, Bolsonaro se aliou de vez ao Centrão no ano passado, levando o senador Ciro Nogueira, cacique do grupo presidente do Progressistas, para o coração do governo. Hoje, Ciro é ministro-chefe da Casa Civil e controla o Orçamento.

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Como revelou o Estadão, Ciro Nogueira também comanda, por meio do aliado Marcelo da Ponte, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). O fundo autorizou uma licitação de ônibus escolares com preços inflados mesmo após alertas de órgãos técnicos. O pregão só teve os valores reduzidos após a publicação das reportagens.

Na última sexta-feira, a Polícia Federal enviou relatório ao Supremo Tribunal Federal (STF) em que diz que o ministro da Casa Civil recebeu propinas do grupo J&F para apoiar a reeleição da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) em 2015. De acordo com a PF, Ciro Nogueira cometeu os crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

Em entrevista à rádio Liberal, do Pará, Bolsonaro afirmou que não tem o que a PF investigar no governo. "Aqui não tem visita da Polícia Federal, não tem o que investigar aqui, não fazemos nada de errado", afirmou o presidente.

Segundo mandato

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Na mesma entrevista, Bolsonaro afirmou que o ministro da Economia, Paulo Guedes, “a princípio” continua no cargo em um eventual segundo mandato dele. “Ele tem muito crédito. Tem que ver se ele quer continuar, como qualquer outro ministro. A princípio, ele continua, sem problema nenhum”, declarou o presidente. “Não tenho críticas a nenhum ministro no momento, logicamente a gente vai fazer pequenas alterações (no caso de outro mandato). O Paulo Guedes é pessoa que foi fantástica por ocasião da pandemia, não sei como Brasil estaria se não fosse uma pessoa da firmeza dele”, acrescentou, em novo afago ao auxiliar.

O principal arrependimento de Bolsonaro neste mandato, disse o presidente, é ter trocado muitos ministros. Dias. “Não teria demitido tantos. Escolhi bem grande parte dos ministros, faltou tempo para escolher melhor alguns outros”, disse o presidente na entrevista.

Entre os principais nomes demitidos por Bolsonaro está Henrique Mandetta (União Brasil), que comandou o Ministério da Saúde no início da covid-19 e foi exonerado por divergências com o Palácio do Planalto sobre a condução da pandemia. Já o ex-ministro da Justiça Sergio Moro (União Brasil) pediu demissão e acusou o presidente de querer interferir na Polícia Federal.

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Bolsonaro ainda reforçou sua defesa em vetar a lei Paulo Gustavo, que destinava recursos para o setor cultural. “Tem muitas pontes por fazer, não justifica ir para a cultura. A cultura é importante? É. Repito, tem a lei Rouanet moralizada (para captar recursos)”.

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