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‘Oposição se coloca na posição de juiz’, afirma professor

Para pesquisador que previu o golpe de 1964, oponentes de Dilma querem assumir papel que caberia ao Supremo

Por Alexandra Martins
Atualização:

O cientista político Wanderley Guilherme dos Santos notabilizou-se em 1964 ao prever em artigo o golpe militar que depôs o então presidente João Goulart. Hoje, aos 80 anos, sustenta que o processo de impedimento da presidente Dilma Rousseff carece de base jurídica. A postura da oposição, diz, de declarar ilegítimo o governo atual é “antidemocrática”. “Eles estão se colocando na posição de juízes. Quem tem que fazer isso é o Supremo”, diz o autor do livro À Margem do Abismo (Ed. Revan), lançado em outubro. Ao receber o Estado, Wanderley concedeu a seguinte entrevista.

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Qual balanço o senhor faz de 2015, considerando o processo de impeachment, investigações, ruas?

Primeiramente, no médio prazo, não acredito em nenhuma das seguintes coisas: que o Supremo convalide a posição do (presidente da Câmara, Eduardo) Cunha, que o núcleo pró-impedimento consiga 2/3 da Câmara e que sejam capazes de fazer significativos de rua. Enquanto o Supremo Tribunal Federal continuar dando respaldo, não nos resta outra opção senão considerar que nada efetivamente criminoso cometido pelo Judiciário está acontecendo. É impossível dizer qual vai ser o comportamento do PT, PSDB, PMDB daqui a 48 horas. Mesma coisa em relação ao Judiciário, ao Legislativo, ao Executivo. Tratando-se então de um processo de grande envergadura em execução, não parece prudente já falar em saldo. Neste momento, nós estamos em processo de investigação do desempenho da democracia brasileira.

O processo de impeachment representa tentativa de golpe?

A questão desde o início com relação ao problema do golpe é se havia ou há sustentação objetiva de crimes legalmente apurados e estabelecidos que, conforme a Constituição, autorizem o movimento de impedimento. Até agora, isso não se constituiu, não ficou evidente para o público em geral que há um comprometimento da pessoa pública da presidente da República que justificasse um pedido de impedimento. Os parlamentares da oposição têm qualquer direito de se manifestar. Para isso serve a democracia. Uma vez que não há essa base, então essa é uma atitude, obviamente, de violação das regras da democracia.

Um dos nomes mais proeminentes da ciência política brasileiramorreu na madrugada deste sábado aos 84 anos Foto: Marcelo Carnaval|Divulgação

O fato de o Tribunal de Contas da União ter rejeitado as contas do governo fortalece o argumento pró-impeachment?

O processo decisório do TCU foi contaminado. Não ficou convincente para mim que estariam justificadas as desconsiderações de todos os precedentes, inclusive as do próprio Tribunal de Contas. Precedente não é só do governo, é do tribunal também. Eles são cúmplices ao longo de muitos anos em que aprovaram contas semelhantes. Não podem jogar responsabilidade em apenas um dos lados. Não foi uma decisão racional. Foi contaminada por emoção. O tribunal é um tribunal de assessoria. Ele não rejeitou as contas do governo, apenas não recomendou sua aprovação pelo Congresso, o que já é uma forma de alterar os nexos institucionais reais entre uma coisa e outra.

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Nesse contexto do impedimento, a oposição tem desempenhado um papel sadio para nossa democracia?

A oposição tem todo o direito de querer o impedimento da presidente. Agora, por conta de que não é possível fazer mais nada enquanto não for aprovado o impedimento, e com isso se negarem a governar e obstruir o governo sem que esteja provado que existam dados para isso, eles estão se colocando na posição dos juízes e, consequentemente, na medida em que podem, estão impedindo o governo de governar. Isso é antidemocrático. Eles estão violando as regras democráticas por conta de uma ideia que teria que ser. Enquanto isso não acontecer, tudo o mais é ilegítimo? Quem tem que dizer isso é o Supremo. Ao tomar o lugar do Supremo e declarar o governo ilegítimo, eles estão violando a democracia.

O senhor defendeu recentemente que o governo deveria dar um ‘chute no traseiro’ do PMDB. Ainda pensa assim?

Não acho isso. Acho que a coalizão feita no primeiro mandato da presidente Dilma foi excessiva. Aí não mais só por conta do PMDB. Continuo achando que a coalizão-baleia (grande e feita de vários partidos) que ela constituiu não está sendo operacional. Nos últimos dois ou três anos, essa coalização desgastou muito o processo político institucionalizado brasileiro. Tanto que essa coalizão vem perdendo capacidade de se repeti. Os partidos da coalizão votam cada um por si no Parlamento. A esta altura, a questão partidária está subordinada à questão maior de salvaguardar o processo político e suas instituições. Neste momento, ninguém manda no processo. Procuradores e juízes não sabem o que as pessoas que eles estão prendendo vão dizer.

A cassação de Eduardo Cunha favoreceria o governo Dilma?

Para o governo, a cassação dele não representaria nada. Hoje os fatos a favor do governo têm que vir ou da economia ou do próprio desdobramento da Lava Jato, que está colocando sob suspeição toda a trajetória do PT no governo. É daí que tem que vir. Enquanto isso não acontecer, nada do que aconteça na Câmara traz benefícios para o governo.

Nada?

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A rotina do governo, embora seja uma rotina importantíssima, não está servindo para trazer nenhum dividendo para o governo. Neste momento, o governo, o Legislativo e o Congresso em geral, nada que eles fizerem de bom será aplaudido. O que for positivo será interpretado pela sociedade como: ‘Não fizeram mais do que a obrigação’. Mas se fizerem algo ruim, vão ser cobrados ainda mais. Eles só podem piorar.

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