26 de maio de 2021 | 05h00
Pressionados pela mobilização em defesa do governo Jair Bolsonaro nas últimas semanas, líderes de movimentos sociais, centrais sindicais e grupos de oposição abandonaram a defesa do “fique em casa” na pandemia e marcaram novas manifestações contra o presidente e a gestão federal, apesar dos riscos de as aglomerações disseminarem a covid-19. Agora, o discurso é de que é possível ir às ruas de forma segura para protestar contra o atraso na vacinação e a postura do governo no combate à doença.
Há protestos marcados em Brasília, nesta quarta-feira, 26, e no sábado, 29, em 76 municípios, incluindo capitais e cidades de médio porte. Coordenador nacional da Frente Brasil Popular, Raimundo Bonfim encara esses protestos como um “desafio”: “Tomamos a decisão de voltar às ruas, de aumentar um degrau no tom das manifestações, até para fazer uma avaliação inclusive do ponto de vista dos cuidados sanitários”.
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A ideia é adotar regras rígidas de organização e distanciamento e até distribuir máscaras tipo PFF2 (considerada a mais segura por especialistas) para atrair manifestantes. Os motivos para a mudança de tom, segundo líderes dos movimentos, são tanto a manutenção de índices elevados de contaminação e mortes devido à pandemia, quanto a crise socioeconômica e o comportamento de Bolsonaro, que tem participado de sucessivos atos.
Os organizadores também querem explorar o desgaste provocado pelo avanço da CPI da Covid no Senado e o momento de pior avaliação do governo, como mostram as últimas pesquisas de opinião. Levantamentos de intenção de voto ainda demonstram queda no eleitorado disposto a reeleger Bolsonaro.
Uma parte da oposição, porém, avalia que não é o momento para sair às ruas e cobrar o impeachment do presidente. O PT, por exemplo, não tem divulgado as manifestações de sábado em suas mídias sociais, ao contrário de outros partidos e grupos que participam da mobilização. Para alguns petistas, o desgaste de Bolsonaro nas pesquisas de intenção de voto deve perdurar até o próximo ano, o que seria interessante do ponto de vista eleitoral. Conforme revelou a Coluna do Estadão, sob esse ponto de vista, o ideal seria “deixar sangrar” o presidente até a eleição. “Os protestos são uma questão que cabe aos movimentos, respeito a autonomia deles”, disse o deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP). “A avaliação é que o governo Bolsonaro se apega a um grupo de fanáticos e está vivendo um desgaste profundo.”
Hoje, centrais sindicais fazem uma mobilização que tem o protesto contra a fome e o apelo para a renovação do auxílio emergencial no valor de R$ 600 como principais bandeiras. Neste caso, há a previsão de protesto presencial apenas em Brasília. Já no próximo sábado, movimentos sociais e partidos de esquerda sairão às ruas sob o mote “Fora Bolsonaro” em vários Estados.
As orientações para evitar a transmissão de covid-19 durante os protestos circulam nas redes sociais e em grupos de WhatsApp. Entre as medidas que os movimentos têm recomendado para os protestos mais seguros estão o uso preferencialmente da máscara tipo PFF2 ou duas máscaras, distanciamento entre os manifestantes de um a dois metros, escolha de locais sempre ao ar livre e evitar o transporte público em horários de pico. Os comunicados aconselham ainda a nunca retirar a máscara no meio de um grupo para tomar água ou fumar, por exemplo, além de voltar direto para casa após o protesto.
“Ficar em casa não tem ajudado a avançar no plano de vacinação no Brasil, não tem ajudado a derrotar o Bolsonaro”, afirmou a deputada federal Sâmia Bomfim (PSOL-SP), que incentiva a participação nos atos. Ela argumentou que o próprio presidente “empurra” os insatisfeitos para manifestações de rua, uma vez que não houve política federal para garantir o isolamento social. “É preciso se manifestar para poder emparedar o governo no momento em que ele está fragilizado, então as condições políticas justificam ‘mudar um pouco a chave’ e retomar uma agenda de rua.”
Riscos. Especialistas ressaltam que não há como evitar totalmente o risco de transmissão e que o Brasil vive um momento especialmente preocupante na pandemia. “Há desafios práticos, porque não é muito fácil manter esse distanciamento (mínimo de 1,5m), e o risco é maior do que se a pessoa ficar em casa, então não é o momento ideal especialmente porque provavelmente estamos vivendo um aumento da transmissão”, afirmou o infectologista Eliseu Waldman, da Faculdade de Saúde Pública da USP. “É preciso ter o mínimo de disciplina, se não você pode estar induzindo a população ao contágio. Há novas variantes circulando, algumas que aparentemente levam a quadros mais graves. Não é o recomendável. É uma opção individual, quem achar que deve ir à manifestação deve ter responsabilidade, e as lideranças também.”
A coordenadora do Fórum de Ciência e Cultura da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Tatiana Roque, diz que já houve ondas de protestos que observaram medidas de segurança sanitário no exterior e não teriam provocado alta nas infecções. Ela cita o caso como os protestos do movimento Black Lives Matter nos Estados Unidos, entre maio e junho do ano passado.
A conclusão consta de um estudo publicado por cinco pesquisadores do National Bureau of Economic Research, nos Estados Unidos, em janeiro. “A compreensão das formas de transmissão mudou muito com o avanço da pandemia e os estudos que foram surgindo”, diz Tatiana. “A taxa de contágio ao ar livre, com máscara, mantendo o distanciamento recomendado de 1,5 metro, é muito baixa.”
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