ONGs oferecem ‘cursinho de prefeito’ para ajudar a planejar cidades

Programas ensinam administradores municipais a profissionalizar gestão

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Por Bianca Gomes e Luiz Henrique Gomes
Atualização:

Ao se eleger prefeito de Ibiraçu, no ano passado, Diego Krentz (Progressistas) sabia os desafios que teria pela frente. Já tinha sido vice-prefeito e secretário de Educação da cidade de 12.591 habitantes, no norte do Espírito Santo. Não teve dúvida: voltou para a escola e levou a equipe junto. 

Durante nove meses, Krentz e parte de seus secretários e assessores participaram de um curso online gratuito de planejamento e gestão pública. Foram 120 horas de aulas teóricas com especialistas, mentorias individuais e troca de experiências com gestores de outros municípios, oferecidas por uma ONG.

Economia. Diego Krentz, de Ibiraçu, profissionalizou gestão e conseguiu verba para investir Foto: Prefeitura de Ibiraçu / Divulgação

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“Em reuniões que ocorriam toda terça-feira, tivemos acesso a uma série de indicadores que definiram a nossa situação e nos ajudaram a dizer aonde queremos chegar nos próximos anos”, disse o prefeito ao Estadão. Com 5 meses de governo, ele conseguiu economizar R$ 645 mil revisando o orçamento, profissionalizando a gestão e ajustando o quadro de funcionários. O valor será destinado para o cumprimento das metas da prefeitura – elaboradas também como parte do curso. 

“Temos dois problemas graves no município: habitação e saneamento. Com esse dinheiro conseguimos construir oito unidades habitacionais de interesse social e avançar na aquisição de quatro reservatórios de água no valor de R$ 300 mil, que agora estão em processo licitatório”, afirmou Krentz. Em julho, a prefeitura deve bater outra meta: oferecer um aplicativo para a população solicitar serviços básicos, como calçamento e substituição de iluminação pública. 

A cerca de 3 mil quilômetros dali, em Abaetetuba (PA), a prefeita Francineti Carvalho (PSDB) acredita que finalmente vai conseguir enfrentar o maior “gargalo” da cidade: o desenvolvimento econômico. 

Com quase metade dos 160 mil habitantes vivendo na zona rural e uma grande população ribeirinha, conciliar a geração de empregos e o crescimento do município com a preservação da natureza parecia uma tarefa impossível. Até agora. 

À frente do município pela terceira vez, ela foi colega de curso de Krentz. Como parte das lições, traçou um plano de desenvolvimento com metas para reduzir a pobreza e aumentar o PIB local, de R$ 1,4 bilhão. “Nós tínhamos dificuldade de lidar com esse setor até pela falta de pessoas preparadas nessa área”, afirmou Francineti. A discussão sobre a vocação econômica da cidade, que antes era um entrave para a prefeita, foi um dos pontos trabalhados em nove meses de curso. 

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Hoje, o município tem um grupo de trabalho para acompanhar a implementação das metas de desenvolvimento. Pelo menos três começaram a sair do papel. “Somos a capital mundial do Brinquedo de Miriti (peças feitas de palmeira de miriti) e, para fortalecer os artesãos e explorar o potencial cultural da cidade, organizamos uma feira virtual”, disse a prefeita. Outra ação, em abril, incluiu Abaetetuba no Cidade Empreendedora, projeto do Sebrae que oferece consultoria e capacitação para fomentar o comércio local. A mais recente conquista, segundo ela, foi a aprovação, na Câmara Municipal, de um auxílio alimentação para famílias em situação de vulnerabilidade.

‘Curto prazismo’

Professora de administração pública e governo da Fundação Getúlio Vargas, Gabriela Lotta disse que não há, no Brasil, uma cultura efetiva de planejamento. Segundo ela, a maioria das prefeituras “apaga incêndios” e resolve questões rotineiras. “Chamamos essa cultura de curto prazismo, de pensar naquilo que dá para entregar logo, e não de forma sistêmica ou a longo prazo. Isso prejudica a gestão, a nossa capacidade de entregas e o controle social, já que a população não tem base para cobrar.”

Dayane Reis, diretora de conhecimento e comunicação da ONG Comunitas, responsável pelo curso, diz que ele foi elaborado com a participação de mais de 80 especialistas. Batizado de “Jornada de Formação”, soma 6 mil horas de conteúdo online aberto a quem quiser consultar, mas 12 municípios foram selecionados para receber mentoria individual, como Abaetetuba e Ibiraçu. “As cidades reestruturam suas governanças internas e conseguiram fazer com que os secretários trabalhassem de forma integrada nos projetos da cidade”, disse Dayane.

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Outras organizações da sociedade civil também oferecem apoio para o planejamento dos municípios. Desde 2012, por exemplo, o Instituto Cidades Sustentáveis dá assistência a prefeituras que querem melhorar os indicadores sociais estabelecidos na Agenda 2030, da ONU. Ao aderir ao Programa Cidades Sustentáveis, as prefeituras se comprometem com a criação de políticas públicas e, em contrapartida, têm acesso a ferramentas e métodos de planejamento urbano e gestão pública para facilitar a criação dessas políticas.

As prefeituras que participam do programa precisam fazer um diagnóstico da realidade local a partir dos indicadores sociais descritos no programa e traçar um Plano de Metas com a participação da sociedade civil para os quatro anos de gestão. “Nós incentivamos essa criação e oferecemos ferramentas que facilitam isso”, afirmou a coordenadora do Cidades Sustentáveis, Zuleica Goulart. “Muitas vezes, o gestor municipal acha que ele não tem compromisso com esses indicadores (da ONU) porque é um documento internacional, assinado pelo presidente da República, mas é nas cidades que a gente vai ganhar ou perder as cidades sustentáveis.”

Campinas é um exemplo de cidade que aderiu ao programa desde sua criação. “Foi com o programa que nós aprendemos a fazer gestão por metas e indicadores. É um trabalho contínuo de acompanhamento de dados”, disse o secretário do Verde, Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, Rogério Menezes (PV). O último relatório disponível mostra que a cidade evoluiu em quase 60% dos indicadores e teve dificuldade em outros 20%.

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Para o prefeito que quiser se profissionalizar, opções não faltam. E ainda sem custo algum para o bolso ou para o município. A própria Escola Nacional de Administração Pública (Enap), vinculada ao Ministério da Economia, lançou no final do ano passado um programa para capacitar os eleitos do último pleito. A programação incluía temas como arrecadação municipal, boas práticas e implementação de governança. 

A Oficina Municipal já trabalha com programas de  formação para gestores de pequenas e médias cidades do País há quase vinte anos. Em 2015, a ONG iniciou um programa especial para os chefes dos executivos municipais chamado Escola de Prefeitos. A proposta da organização é auxiliar os eleitos durante os quatro anos de mandato, dando ênfase em cada etapa da gestão. "Priorizamos as cidades pequenas e médias, que têm menos acesso a recursos, formação e capacitação. No curso para os prefeitos, por exemplo, no primeiro ano de governo ajudamos a formar equipes e elaborar o plano plurianual. Já no segundo e terceiro, trabalhamos com os programas principais de governo e, no quarto, já começamos a pensar na transição de mandato."

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