A bola de cristal é quadrada e parece um computador. O vidente não pede para que você tire uma carta ou mostre a mão. Ele usa branco e tudo que faz é colher uma amostra do seu sangue ou pegar algumas células de sua bochecha com uma escova de dentes. Já dá para prever o futuro com certeza. Pelo menos, o futuro da sua saúde. Quem tiver coragem pode descobrir, anos antes, se algum dia terá problemas no coração, câncer, obesidade genética, Mal de Alzheimer. É a medicina preditiva. A partir da análise do DNA, os médicos já conseguem determinar se um paciente poderá desenvolver doenças que são causadas por alterações genéticas e começar uma prevenção mais específica para minimizá-las ou até evitá-las. A trombose é um dos exemplos. Quem tem vários casos na família talvez tenha herdado um gene "defeituoso" que provoca a doença e, com o exame, é possível identificá-lo. Foi assim com a médica mineira Marinilza Mourão Gomes, de 48 anos. Há pouco mais de dois anos ela fez uma lipoaspiração e 37 dias após a cirurgia sofreu embolia pulmonar. Quase morreu, ficou 12 dias internada e seus médicos decidiram descobrir o motivo da embolia. Um teste genético deu a resposta: ela herdou um gene de seus pais com a anomalia que provoca a trombose e a embolia. Para Marinilza, o resultado do exame chegou tarde mas graças a ele toda a família passou a tomar cuidados para evitar a doença. Suas duas filhas, que também se submeteram ao teste e descobriram ser portadoras do mesmo gene defeituoso, não podem tomar anticoncepcionais já que eles aumentam o risco da doença e os outros parentes fazem exames constantes de prevenção. "Não seremos mais pegos de surpresa. Minha família está protegida porque agora já sabemos que temos o gene problemático." A medicina preditiva é hoje a maior aliada da medicina preventiva. "Em dez anos, os testes genéticos irão se tornar bastante comuns e as predições ajudarão os médicos a fazer a prevenção das doenças às quais seus pacientes estão suscetíveis", garante o diretor do Gene, um dos laboratórios que faz os testes, Sérgio Pena. "Por volta de 2020, o DNA de cada um passará por uma bateria de testes e, a partir, daí, será feito um mapa genético individual. Todas as informações do mapa estarão inseridas em um cartão magnético e, quando essa pessoa for ao médico, bastará levá-lo." O nadador Ricardo Prado nunca fez os testes e não sabia que, mesmo sem fumar, sem beber e fazendo exercícios, corria o risco de ter um enfarte por causa de problemas genéticos. Há dez dias, teve de colocar duas pontes de safena e três mamárias. "Se tivesse se submetido ao teste, poderia ter feito exames de prevenção mais constantes e talvez evitado a cirurgia", afirma o diretor-clínico da Genomic, mais um dos laboratórios que fazem os exames, Martin Whittle. Acompanhamento necessário Mas nem sempre um resultado positivo no teste é sinônimo de que o paciente desenvolverá a doença ou vice-versa. "Há muitos problemas de saúde que são multifatoriais, como o câncer e as doenças do coração", explica o coordenador de pesquisa do Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Albert Einstein, Carlos Alberto Moreira Filho. "O paciente pode não ter nenhum problema genético, mas sofrer um enfarte porque é sedentário ou obeso. Ou desenvolver um câncer de pulmão porque fuma." Da mesma forma, quem tem um gene defeituoso pode nunca manifestar a doença. "Mas em alguns casos, como o câncer de mama, há 80% de chances do mal aparecer se houver alteração genética", afirma Moreira Filho. "Com um resultado positivo do teste, a mulher pode se cuidar melhor, fazer mamografia mais freqüentemente ou, até, tomar uma medida radical e retirar o tecido mamário." É por tudo isso que os exames sempre devem ter um acompanhamento psicológico. "O paciente deve estar preparado para o resultado. Não é fácil viver com a angústia de que a doença pode se manifestar a qualquer instante", diz o coordenador do Centro de Genética Médica da Unifesp, Décio Brunoni. Assim, os testes genéticos não devem ser realizados para doenças que não têm prevenção. "Não adianta o paciente descobrir que terá uma doença se não pode fazer nada para evitá-la. Para esses casos, eles são contra-indicados." As indicações são para aqueles que apresentam um histórico familiar de doenças com alternativas terapêuticas. "Mas só atendemos quem é encaminhado pelo médico", diz Whittle. "Não tem sentido fazer o exame em alguém que deseja saber se tem alguma alteração genética que pode causar câncer de ovário se não há nenhum caso na família."