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O tenente e seu fantasma

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Por Marcelo Godoy
Atualização:

Um dia Chico decidiu contar uma história diferente. Arredio nas primeiras entrevistas, o agente do DOI resolveu falar de um fantasma. Não de qualquer um, mas do seu. "Eu abria a porta do armário de casa, e ele estava lá." Homem forte e bem articulado, o agente começou a se explicar. "Você não tem ideia do que é passar a noite inteira vendo um homem sabendo que no dia seguinte ele vai morrer." O oficial estava diante de Antonio Benetazzo, militante do Molipo, preso em 27 de outubro de 1972. Não o torturaram. "Não era preciso." O guerrilheiro respondeu a algumas perguntas. Queriam informações sobre o mimeógrafo que escondia. "A gente sabia que ele ia ser levado para 'viajar' (ser executado)." Benetazzo estudara filosofia na Universidade de São Paulo (USP) nos anos 1960 e era responsável pela impressão do jornal clandestino Imprensa Popular. "Ele tinha uma cara de resignação, parecia saber o que ia acontecer." O homem treinara guerrilha em Cuba e voltara ao País em 1971. Passou aquela noite em silêncio. "Fiquei ali olhando o rosto do cara." Pela manhã, os homens da Seção de Investigação vieram apanhar o preso. "Era uma barbaridade." Com o tempo, a imagem do guerrilheiro passou a assombrá-lo. "Cada um tem seu fantasma, cada um teve a sua participação, que não escolheu, não programou, não o beneficiou em nada, não fez parte de um projeto individual. Você estava numa guerra, e a guerra era essa." Benetazzo entrou no Fusca. Os agentes Pedro Aldeia, Habib, Melancia e Alemão levaram o preso. Foram cumprir a sentença que mandava matar todo aquele que tivesse feito curso em Cuba. E assim fizeram, contou Chico, revelando o que era um segredo: esmagaram sua cabeça a pedradas.

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