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'O tabu foi inventado pelos adultos que têm medo', diz autor do livro 'Aparelho Sexual e Cia'

Cartunista suíço Zep rebate críticas ao livro que Jair Bolsonaro e aliados acusam de ter sido adotado em escolas públicas; futura ministra Damares Alves definiu 'linguagem porca' da obra durante palestra em 2016

Por Jamil Chade
Atualização:

GENEBRA -Durante palestra em 2016 e que está acessível nas redes sociais, a futura ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, usou um livro sobre orientação sexual como exemplo de como uma parcela de professores estaria tentando “erotizar” as crianças brasileiras. 

Capa do livro "Aparelho Sexual e Cia", publicado pela Companhia das Letras Foto: Reprodução

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Para isso, ela mostrou uma projeção citando um livro da autora Hélène Bruller e ilustrado pelo cartunista suíço Zep, entitulado Aparelho sexual e Cia., publicado pela Companhia das Letras no Brasil e com vendas de mais de 2 milhões de cópias na Europa, usado como referência na educação sexual. “Esse é terrível”, disse a pastora, que garante que o livro é oferecido para crianças de “dois e três anos”. “Para ensinar para crianças de dois anos como é uma relação sexual”, disse. 

“Olha o livro, irmão. Olha os livros com desenho infantil “como transar”. E olha a linguagem”, pedindo desculpas à audiência por estar usando uma “linguagem porca”. “Essa é a linguagem do livro, dos educadores do Brasil”. alertou, citando a Secretaria de Direitos Humanos. “Eles estão falando para crianças de nossas escolas que existe o Kama Sutra, que é um livro milenar. Mas se eu quiser falar sobre esse outro livro milenar, eu não posso por que o Estado é laico”, disse a pastora, com uma bíblia na mão. “O que estão fazendo com nossas crianças? Estão detonando com elas”, alertou. 

O livro de Zep, porém, jamais foi indicado para crianças de dois ou três anos e seu autor insiste que não se trata de erotizar a infância. Ele recebeu a reportagem do Estado em sua casa em novembro, em Genebra.

“O manual é feito para as crianças e feito para responder todo o tipo de pergunta em relação ao sentimento amoroso, da puberdade", disse Philippe Chappuis, nome real de Zep. "Para as crianças de sete ou oito anos, ele fala sobre o que é estar apaixonado”, explicou. Segundo ele, seu livro é uma resposta à ausência de material para o ensino. Na Europa, a obra que completa 20 anos já virou uma exposição e alunos da rede pública da França e da Suíça o visitam como parte do programa escolar.

“Todas as crianças têm acesso à pornografia pela internet. Portanto, quando toda a informação que tem sobre a sexualidade é a pornografia, não é uma forma muito serena de entrar no assunto”, alertou. Ele garante que seu livro não é uma versão infantil do Kama Sutra e insiste que seu objetivo é exatamente o de não deixar que esses jovens sejam alvo de abusos ou de violadores. 

Questionado sobre o ensino no Brasil, principalmente sobre sexualidade, ele deixa claro que o momento é de tensão. “A percepção que eu tenho do Brasil é que os extremos estão se enfrentando”, disse. “Há pessoas como Bolsonaro, extremas, e que diz coisas atrozes, e de outro lado há o movimento LGBT que reivindica de forma muito extrema as coisas e de maneira muito provocadora”, afirmou. 

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“Portanto, estão colocadas sempre em conflito. Isso, visto da Suíça, é muito bizarro. Aqui, jamais estamos na confrontação. Sempre tentamos estar de acordo. Agora, construir uma educação nacional, se já estamos nessa ideia de afrontamento, é um começo ruim. Eu penso que o tabu foi inventado pelos adultos que têm medo. Por adultos que algo não funciona em suas vidas. Mas não vou julgar os motivos. Mas eles têm medo das coisas e criam tabus. Esses tabus sempre geram coisas ruins. Damos um terreno formidável à pedofilia se não explicamos as coisas”, alertou. 

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