O suposto esquema da propina no ES, segundo o BC e o MP

Por Agencia Estado
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Dois relatórios do Banco Central (BC) e do Ministério Público (MP) do Estado do Espírito Santo, obtidos pela reportagem, mostram como atua o suposto esquema de corrupção, troca de favores e enriquecimento ilícito que beneficiaria o governador José Ignacio Ferreia (PSDB), os secretários dele, empresários locais e deputados estaduais. O primeiro, emitido por técnicos do BC, em maio de 2000 e que hoje está nas mãos da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Propina da Assembléia Legislativa e do MP, descreve a forma como teria sido arranjado o empréstimo irregular de R$ 2,6 milhões feito pelo então senador Ferreira, em 1998, para financiar a campanha ao governo do Estado. Ferreira abriu uma conta conjunta com o cunhado Gentil Ruy (que, depois, viraria secretário de Governo), para realizar os pagamentos do empréstimo ao Banco do Estado do Espírito Santo (Banestes). A dívida era paga pelas empresas de contrução CEC e HMG Engenharia, mas com créditos do Banestes. "É indubitável que as duas empresas cobriram o saldo devedor da conta do sr. José Ignácio, valendo-se de recursos obtidos junto ao próprio Banestes, em forma de crédito rotativo", diz o documento. O texto do BC informa que houve "indícios de crime de gestão temerária, ou mesmo fraudulenta" da instituição bancária por assumir um risco com o empréstimo, porque o governador, na época, não apresentou garantia real. O saldo devedor só foi coberto dois dias antes da posse do governador. O segundo relatório, do Grupo de Repressão ao Crime Organizado do MP, revela um outro esquema de enriquecimento ilícito de empresários locais em troca de favores e propinas ao governo e aos parlamentares. Com base na análise de extratos bancários do empresário e lobista Edgard dos Santos e outros, o documento aponta a existência de uma caixa de assistência dos deputados estaduais financiada por Santos. "Trata-se de uma caixa preta da Assembléia, cujo balanço financeiro é inacessível e tem-se notícia do pagamento de mesada aos deputados", afirma o texto. "Os subsídios, distribuídos pelo presidente da Assembléia (José Carlos Gratz), até onde se sabe, seriam de R$ 15 mil" por deputado. "Quem não adere ao esquema tem dificuldade na nomeação de assesssores e fica alijado de cargos de maior influência." Segundo o texto, Santos teria movimentado entre 1997 e 1999, R$ 12 milhões e, durante a campanha do governador, feito uma doação de R$ 800 mil ao então candidato Ferreira - mesmo sem ter declarado rendimentos suficientes para fazer ajudas desse porte. O documento revela ainda como algumas empresas locais teriam enriquecido com a juda do Fundo para Desenvolvimento das Atividades Portuárias (Fundap), um fundo da Secretaria da Fazenda do Estado que dá empréstimos a importadores com condições excepcionais: longo prazo (até 25 anos) e juros de 1% ao ano. "É um negócio maravilhoso", diz o relatório dos promotores. Uma das empresas citadas, a Incospal, teria aumentado o patrimônio em R$ 396 mil. O dinheiro do fundo vem de parte do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) recolhido no Estado, e os empréstimos teriam, oficialmente, o objetivo de produzir desenvolvimento econômico. Mas, na prática, diz o documento, em vez de investir no crescimento do Estado, a "empresa fundapeana" investe no aumento do capital social. Segundo o texto, as empresas fundapeanas arrecadam mais do que municípios e o Estado juntos. Onde entra o governo? Segundo o relatório, para conseguir credenciamento, é cobrada uma "propina em valores elevados pela alta cúpula dos executivos que administram o Fundap". Além disso, uma taxa pelo empréstimo seria cobrada pelo governo e destinada à Fundação de Integração Social, uma entidade criada, teoricamente, para promover ações sociais, mas que seria usada para realizar "negócios superfaturados e legitimizar corrupção e tráfico de influência". A reportagem não conseguiu ouvir o governador. O presidente da Assembléia, por meio da assessoria, disse que não há provas e que o relatório é totalmente "desprovido de verdade". Ele afirma que Santos comprou imóveis leiloados pela Assembléia e, por isso, o dinheiro foi transferido. O MP Estadual, mesmo tendo recebido o relatório em janeiro, ainda está investigando e sofre com uma decisão judicial que proibiu o uso da quebra de sigilo bancário, conseguida pelos promotores no início do processo.

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