O que o MST tem a ver com a ida de Gleisi à posse de Maduro?

O Movimento dos Sem-Terra, que defende o regime chavista, cresceu no equilíbrio de forças internas do PT devido à capacidade de mobilização; viagem da senadora, no entanto, dividiu opiniões dentro do partido e nas redes sociais

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Por Ricardo Galhardo
Atualização:

A ida da presidente do PT, Gleisi Hoffmann, à posse de Nicolás Maduro, reeleito presidente da Venezuela, em um pleito que é alvo de contestações internas e externas, dividiu opiniões dentro do PT e nas redes sociais.

Muitas pessoas que votaram em Fernando Haddad para presidente em 2018 foram às redes sociais para dizer que a viagem foi um erro do PT e fragilizou a oposição justamente no momento em que o presidente Jair Bolsonaro enfrenta dificuldades para fazer o governo funcionar.

O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, durante sessão especial na Assembleia Constituinte; pleito é alvo de contestações Foto: Manaure Quintero/Reuters

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Segundo estas pessoas, ao se associar a um governo que fracassou na economia mergulhou o país em uma crise sem precedentes e ainda é alvo de acusações de corrupção e desrespeito às normas democráticas, o PT, maior partido de oposição a Bolsonaro, abriu um flanco para os adversários – tanto na direita quanto na esquerda.

Internamente, a decisão de Gleisi de ir à posse também dividiu opiniões, embora nenhuma liderança importante do partido tenha se manifestado publicamente contra a viagem. Antes de decidir se aceitaria o convite para ir a Caracas, Gleisi consultou informalmente as lideranças das principais correntes internas do PT. Algumas delas se posicionaram contra, por temerem a repercussão negativa. A palavra final coube ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, preso em Curitiba, que avalizou a ida de Gleisi à posse de Maduro.

Em uma nota publicada na página do PT, Gleisi listou sete argumentos que justificariam a viagem. O principal deles, segundo pessoas próximas à Gleisi, foi demarcar a diferença estratégica em relação a Bolsonaro, ainda que isso tenha um custo político. Enquanto o governo do PSL defende sanções contra Maduro e tenta interferir na política interna venezuelana, o PT defende a linha adotada durante o governo Lula de evitar tomar partido e, assim, se colocar em condições de intermediar uma saída para a crise no país vizinho.

Gleisi Hoffmann, presidente nacional do PT; Lula avalizou ida de senadora à posse de Maduro Foto: Amanda Perobelli/Estadão

Além disso, a decisão de Gleisi de ir à posse reflete as diferenças internas no PT de hoje, sob diversos ângulos. “Quem ficou contra é uma parcela do PT que está preocupada com a opinião pública”, disse o sindicalista Julio Turra, da direção nacional da Central Única dos Trabalhadores (CUT).

Em outras palavras, petistas que dependem de votos como parlamentares e governadores avaliaram que ficariam expostos com a associação ao fracassado regime venezuelano enquanto os setores mais ligados aos movimentos sociais e sindicais, que não disputam eleições gerais, se sentem mais à vontade para apoiar abertamente o governo Maduro.

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O Movimento dos Sem Terra (MST), por exemplo, defende publicamente o regime chavista. Nos últimos meses o MST cresceu em importância no equilíbrio de forças internas do PT devido à capacidade de mobilização para causas como a liberdade de Lula. É o MST que mantém a vigília Lula Livre na porta da Polícia Federal, em Curitiba, onde o ex-presidente está preso. Em agosto, líderes sem-terra apoiaram o nome de Gleisi para vice e consequentemente plano “B” a Lula na corrida presidencial, contra Haddad. Durante a campanha, o candidato foi obrigado a se reposicionar em relação à Venezuela por pressão destes setores.

Apoiadores do PT naporta da PF, em Curitiba, onde o ex-presidente Lula está preso Foto: Nelson Almeida/AFP

Um dos principais pontos de apoio à senadora paranaense hoje dentro do partido são os movimentos sociais. O mandato de Gleisi vence este ano – em condições normais seria renovado por mais dois anos, mas um grupo de correntes minoritárias publicou texto pedindo a renovação da direção partidária. Ela vai precisar destes movimentos para se manter no cargo. Entre os críticos da viagem, estão adversários de Gleisi na corrente majoritária Construindo um Novo Brasil (CNB), da qual a senadora faz parte, mas que está rachada desde o ano passado.

“Gleisi tem forte apoio entre os movimentos sociais, isso é fato, mas as divergências quanto à ida dela à Venezuela também tem outros motivos. Um deles é a caracterização que diferentes forças do PT fazem do governo Maduro”, disse o secretário nacional de Movimentos Populares do PT, Ivan Alex – ele próprio favorável à viagem de Gleisi a Caracas.

Embora o PT apoie oficialmente o governo Maduro, diversas lideranças questionam internamente esta posição. Em conversas reservadas, petistas apontam o fracasso do presidente venezuelano tanto na condução da economia quanto na manutenção da ordem democrática. Estas posições costumam ser expressadas em reuniões internas, mas são minoritárias.

Além disso, existe a questão geopolítica. Venezuela, Bolívia e Uruguai são hoje os últimos países do continente sob o comando de governos de esquerda. Para o PT, apoiar Maduro significa evitar o avanço na região da onda de governantes alinhados ao presidente dos EUA, Donald Trump.

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Os críticos de Gleisi dizem que ela não consultou todas as correntes nem a Executiva do partido antes de tomar a decisão. Para alguns deles, o partido estaria bem representado e evitaria desgaste junto ao eleitorado se enviasse outros dirigentes para a posse de Maduro.

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Segundo eles, embora os motivos alegados pela presidente do partido sejam pertinentes e estejam de acordo com as posições partidárias, é difícil explicar para o eleitorado o apoio a um regime fracassado.

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