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'O problema é descobrir o erro no dia a dia’

Para presidente do Coaf, Operação Lava Jato ajuda no aprendizado do ‘modus operandi’ de operações financeiras irregulares

Foto do author Andreza Matais
Por Andreza Matais
Atualização:
Antonio Gustavo Rodrigues, presidente do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) Foto: ANDRE DUSEK/ESTADÃO

BRASÍLIA- Em entrevista ao Estado, o presidente do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), Antonio Gustavo Rodrigues, disse que o sistema de inteligência financeira funciona bem, mas que as vezes é difícil você desconfiar de uma operação que tem aparência de normalidade. "São bilhões de transações que ocorrem todos os dias. Se eu virar corrupto de um dia para o outro e depositar R$ 10 mil na minha conta como é que o banco vai descobrir? Isso vai chamar a atenção? Pelo meu movimento, não.." Nesse sentido, os alertas preventivos à lavagem de dinheiro são feitos para tentar chamar a atenção para novos casos. "São coisas que você vai pegando e vai incluindo. Como é a forma de trabalhar do cara." 

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Que mudanças operações como a Lava Jato trazem para o Coaf?

Tem o aprendizado das tipologias que estão usando. O modus operandi. A forma de trabalhar do cara. São coisas que você vai pegando e vai incluindo. Há anos atrás tinha uso de cartão pré-pago para fazer saque. Você descobre o fenômeno, conversa com o regulador para evitar que aconteça. O objetivo dos alertas é para que os bancos prestem atenção. Você transmite para vários setores: - preste atenção para esse tipo de coisa.

Na Operação Lava Jato, a mulher do João Vaccari, tesoureiro do PT, fez saques picados para evitar que o banco comunicasse a operação ao Coaf. Em várias investigações isso ocorre. Porquê?

No caso dos bancos têm uma norma do BC que diz que eles devem comunicar operações acima de R$ 10 mil que sejam suspeitas. Ele deve olhar a situação, a lista de alertas, verificar se é suspeita e comunicar. Não é qualquer operação acima de R$ 10 mil. Tem o valor agregado de o banco conhecer o cliente. Se achar suspeito, comunica. Tem um segundo grupo que é de natureza automática. No caso dos bancos qualquer saque ou depósito em espécie acima de R$ 100 mil tem que ser comunicado se houver suspeita ou não. Se forem dois saques de R$ 50 mil o banco deve perceber isso como uma tentativa de burla à comunicação automática e fazer como suspeita. O mesmo se o cara fez três saques de R$ 33 mil, um de R$ 99 mil.

Os criminosos se aproveitam do fato de não ser obrigatório comunicar ao Coaf operações financeiras acima de R$ 10 mil? 

A última vez que fiz esse levantamento, 20% das notificações que recebíamos de banco eram inferiores a R$ 10 mil. Se os bancos pegam um cara (com operação suspeita de) R$ 500, R$ 1.000, eles comunicam. Tem situações que a comunicação tem valor zero. A pessoa foi lá fazer uma proposta de uma operação que não se consumou e eles comunicam. Você baixar mil reais, com o volume de transações que ocorre todo dia? A gente vai ser entupido de informação e com isso você perde o foco. 

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O senhor já conseguiu identificar se bancos estão falhando nas comunicações ao Coaf?

É papel do Banco Central fiscalizar isso. São bilhões de transações que ocorrem todos os dias. Depois que o cara é bandido tudo o que ele fez esta errado. O problema é você descobrir isso no dia a dia. Tem situações que pode envolver funcionário, gerente (do banco), que eventualmente participe de algum esquema, pode acontecer. Pode haver falha do sistema? Pode. Se eu virar corrupto de um dia para o outro e depositar R$ 10 mil na minha conta como é que o banco vai descobrir? Isso vai chamar a atenção? Pelo meu movimento, não. Depois que eu virar corrupto famoso, todo mundo vai dizer: - O banco não comunicou. O banco tem cliente de baixo risco. Se esse cara sai do trilho vai ser muito mais difícil de ele pegar.

Qual a situação mais difícil de ser identificada como atípica?

Você tem empresas que pelas características de operação deveriam requerer uma diligência mais profunda e ai sim ser menos tolerante quando passar coisa. Você pode ter uma empresa regular que faça negócios e essa empresa de repente entrou para lavar dinheiro. Dentro do universo do negócio dela um pedacinho passou a ser para lavar dinheiro. Como seria fácil para o banco perceber isso? Uma empresa que faturava R$ 1 milhão e de repente faturou R$ 1,1 milhão. Você vai lá, ela tem prédio, tem maquina, tem faturamento. É muito difícil de perceber. Agora, essa coisa funciona como um sistema. Tem o banco, o Coaf, a PF, o MPF. Todo mundo tem um papel. Não tenho a menor dúvida que esta funcionando. A própria Lava Jato começou a partir de relatório do Coaf, de uma boa investigação da polícia que na investigação eles foram descobrir elementos que foi puxando essa coisa toda. A gente diz: - Tem alguma coisa estranha acontecendo aqui.

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Dois tesoureiros do PT foram presos acusados de corrupção. Por que não incluir tesoureiro de partido político entre as pessoas politicamente expostas, que tem atenção especial?

O objetivo é outro. É um ministro, senador, governador...Ser politicamente exposto não é crime. Não se trata de uma pessoa corruptamente exposta, nem financeiramente exposta. Você pode achar que o prefeito de uma cidade de dois mil habitantes é politicamente exposto. Ele é. Mas num país com cinco mil municípios, por um problema operacional, a regra só atingiu os prefeitos das capitais. Daqui a pouco isso vai ser revisto. É uma evolução natural isso ser revisto em algum momento, mas essa discussão [sobre prefeitos] não esta colocada agora.

O número de comunicações ao Coaf diminuiu no ano passado. Por que? 

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Várias vezes foram colocados critérios de informação automática de baixíssima utilidade. A gente estava recebendo todo mundo que ganhava prêmio de loteria e que se identificava na Caixa. Isso é de baixa utilidade. Agora eles só comunicam quando o sujeito ganha vários prêmios. São 4.400 comunicações em 2014. Quando você olha no total, cai. 

Algumas pessoas do governo defendem transferir o Coaf da Fazenda para o Ministério da Justiça. Essa discussão esta colocada institucionalmente? Qual a posição do senhor?

Eu não acho que tenha que alterar, mas se for alterar põe num lugar que vá agregar algum valor. Para mim nesse caso seria a PF. Agora, isso gera um outro problema. O Coaf conversa com vários parceiros, a PF, o MPF, a polícia estadual, MPE e assim vai. Se você põe na PF você pode criar alguns probleminhas de relacionamento que de vez em quando você vê nos jornais de que a PF e o MPF não se entendem. O Coaf acaba sendo um órgão neutro. 

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