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O policial 'marco zero' da Lava Jato

Agente aposentado diz ter sido afastado das investigações após duvidar de Alberto Youssef

Por Valmar Hupsel Filho
Atualização:

LONDRINA - Foi a partir de Curitiba que a força-tarefa da Lava Jato se notabilizou por revelar o esquema de corrupção na Petrobrás. Mas o “marco zero” da megaoperação está em Londrina, a quase 400 quilômetros da capital paranaense.

A cidade do doleiro Alberto Youssef e do ex-deputado do PP José Janene, que morreu em 2010 – figuras centrais do esquema –, é também a de Gerson Machado, delegado da policial federal que afirma ser o autor do inquérito que, em 2008, reuniu informações de que o Posto da Torre, em Brasília, era usado para lavagem de dinheiro por meio da emissão de notas frias. O esquema só ficou conhecido em março de 2014, quando foi deflagrada a operação.

Gerson Machado participou do início da investigação Foto: Valmar Hupsel Filho/Estadão

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Hoje aposentado, Gerson ainda vive em Londrina, onde cuida de uma ONG voltada à educação para a cidadania. Seu anonimato, entretanto, tem prazo para acabar. Ele deu um longo depoimento à equipe do cineasta José Padilha, que grava uma série documental sobre a Lava Jato para a Netflix.

“Era para ter sido apenas um depoimento, mas depois que contei a história eles resolveram fazer um capítulo inteiro sobre isso”, disse.

A passagem de Gerson Machado pela Polícia Federal se confunde com as investigações em torno das atividades ilícitas de Youssef. Ele entrou na PF em 2002 levando consigo uma experiência de 16 anos como analista da Receita Federal. Logo foi designado para trabalhar em inquéritos sobre lavagem de dinheiro e evasão de divisas.

Em 2003, a Polícia Federal realizava várias investigações em torno de operações com contas CC5. No fim daquele ano, Youssef foi preso, acusado de evasão de divisas. Em 2004, fez acordo de delação premiada. Foi solto no ano seguinte.

Em 2005, durante a CPI dos Correios, o doleiro Toninho da Barcelona disse em depoimento que Youssef estava mentindo em sua delação. “Naquele momento acendeu uma luz”, disse Gerson. Ao investigar, descobriu a conexão entre Youssef e atividades ilícitas do ex-deputado José Janene. Gerson reuniu novas informações e documentos e instaurou o inquérito.

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Enquanto Gerson prosseguia na investigação contra Youssef, o doleiro o acusava de perseguição. “Eu dizia haver indícios fortes que Youssef estava mentindo e ele negava, falava para o Ministério Público e para o doutor Sérgio Moro que eu estava perseguindo ele. Eu falava que não era perseguidor, mas que era persecutor. Policial não faz perseguição, faz persecução. Fiquei indignado porque fui acusado de arbitrariedades.”

As acusações de Youssef, segundo ele, o fizeram deixar o emprego. Gerson disse que foi afastado das investigações, afundou na depressão e acabou sendo aposentado aos 49 anos. “Quando penso nisso fico indignado. Mas que bom que os colegas de Curitiba são muito bons e comprovaram que eu estava no caminho certo”, disse ele, ressaltando que admira o trabalho de Moro. “Fui aposentado em 2013 e em 2014 veio a operação, né? Foi um alento.”

Antes do afastamento, Gerson encaminhou suas investigações para Curitiba. “A Lava Jato teve início por causa das operações no Posto da Torre, né? Pois naquela época nós já tínhamos informações nesse sentido. Isso era 2008, 2009”, disse. Questionado se na segunda delação que fez, Youssef falou toda a verdade, Gerson duvida. “Eu acho que ele sabe muito e tinha que entregar tudo. É uma dívida que ele tem com a sociedade”.

O policial aposentado disse que não tem ressentimentos pela fama alcançada pelos responsáveis pela investigação, os mesmos que em 2008, segundo ele, custaram a acreditar quando dizia que Youssef, mesmo após a delação no caso Banestado, estava mentindo e continuava operando nas sombras.

Ele faz questão de exaltar o trabalho da força-tarefa da Lava Jato. “Assim como a operação não teria iniciado sem aquelas informações, ela só se tornou o que é graças ao trabalho impecável dos policiais e procuradores e do juiz Sérgio Moro.”

A PF no Paraná não se pronunciou sobre as declarações de Machado.