Análise: O 'fantasma' Bendine assombra a Lava Jato

Opiniões divergentes se multiplicam, mas investigadores temem que o caso coloque na fila outros 158 condenados em busca de revisão de suas sentenças.

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Foto do author Fausto Macedo
Por Fausto Macedo e Ricardo Brandt
Atualização:

A Lava Jato está alarmada. A grande polêmica do dia é: a decisão dos ministros da 2.ª Turma do Supremo, tomada na sessão de terça, 27, contamina todas as investigações e ações, até a do sítio de Atibaia, na qual Lula pegou 12 anos e onze meses de reclusão na sentença de Gabriela Hardt?

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A anulação da condenação de Aldemir Bendine põe de joelhos toda a operação, sua doutrina e seus primados? Aqui e ali, temos ouvido opiniões divergentes que se multiplicam. Uns apostam que o grosso das ações em que teria ocorrido o mesmo 'vício' - explorado pela defesa de Bendine - terá o mesmo fim. Outra corrente não acredita que a Lava Jato está a caminho do seu crepúsculo.

De concreto mesmo, a Lava Jato em Curitiba ostenta outras 49 ações penais julgadas nesses cinco anos de operação - além do processo contra Bendine. Investigadores da força-tarefa que abarca Ministério Público Federal, Polícia Federal e Receita temem que o emblemático caso Bendine coloque na fila outros 158 condenados em busca de revisão de suas sentenças.

Um procurador disse, taxativamente, que o entendimento do Supremo se aplica, sim, a praticamente todos os casos em que se verificou prazo comum aos réus colaboradores e aos não delatores. A Lava Jato está em alerta.

Seus mentores e protagonistas estão diante do 'fantasma' Bendine. Eles já trabalham com a hipótese de que a decisão do Supremo pode gerar anulação em série. Isso não estava no radar dos procuradores.

Juristas avaliam se suspensão da condenação de Bendine poderá refletir no julgamento de Lula no caso do sítio de Atibaia Foto: Andre Penner / AP / Maurício de Souza

A votação Bendine ficou em 3 a 1. Esse voto dito vencido, do ministro Fachin, pode manter vivo o processo contra o ex-mandatário da Petrobrás? Podem os autos ainda serem submetidos ao crivo do Plenário da Corte? 

Tudo pode na Justiça. Os recursos, os embargos e quetais estão aí para isso, para levar à eternidade as demandas. Mas não talvez no caso Bendine. A Súmula 606 do STF diz que não cabe habeas corpus originário para o Tribunal Pleno de decisão de Turma. É este o ponto central.

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O fato é que as defesas de outros réus certamente já se preparam para adotar a mesma estratégia do defensor de Bendine.

Teve peso decisivo na anulação o detalhe de que o delator deve entregar seus memoriais (ou alegações finais) antes dos outros acusados, a quem ele incriminou, preservando, assim, a plena defesa dos delatados. A falha teria ocorrido quando foi aberto prazo a todos os acusados, ao mesmo tempo, para apresentação da peça final.

A Lava Jato reuniu, de um lado, um elenco de procuradores determinados no embate contra a corrupção que se instalou na Petrobrás. Profissionais destemidos e altamente qualificados, movidos pela disposição de pôr um fim no cartel de propinas que tomou de assalto diretorias estratégicas da petrolífera. Isso é fato.

E reuniu, também, de outra parte, grandes advogados, criminalistas igualmente preparados, estudiosos do Direito Penal, perspicazes por excelência. É o caso de Alberto Zacharias Toron, constituído por Bendine.

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Toron, com seus mais de 30 anos de experiência, conhece todos os atalhos de uma ação, por mais pesada e robusta que seja a acusação - como é esta que levou Moro a condenar Bendine a 11 anos de reclusão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

A estratégia de Toron foi atacar uma questão de ordem processual, uma brecha que ele viu lá atrás, ainda na fase da entrega dos memoriais, e que sustentou seu pedido de habeas corpus já perante o Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, o Tribunal da Lava Jato.

Na Corte de apelações o alerta do advogado foi rechaçado. Ele não desiste e leva o caso adiante, até bater à porta da 2.ª Turma do Supremo. Três a um. Para Toron foi um 'ato de rotina' em sua missão. Ele avalia que o resultado do julgamento mostra que o Supremo reconhece o habeas corpus como instrumento de controle. "A fragilização desse instrumento de controle permitiu um sem número de práticas não conforme a Constituição e as leis", defende Toron.

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Procuradores estão inquietos. Para eles, 'esse entendimento novo do Supremo que aplicam para trás é injusto'. Eles consideram que a decisão dos ministros, na prática, 'cria uma nova regra'. E que ela pode destruir a Lava Jato.

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