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O custo das liberdades

Ano de 2020 se foi sem deixar memórias positivas. E 2021 também não parece começar bem

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Foto do author J.R.  Guzzo
Por J.R. Guzzo
Atualização:

Este foi o ano em que, pelo mundo inteiro, as liberdades públicas e os direitos individuais sofreram a mais extensa, dissimulada e perniciosa agressão que os regimes democráticos já tiveram de enfrentar na presente geração. Esse ataque não veio, como de hábito, em consequência de guerras, revoluções ou golpes de Estado em escala global. Veio através de um vírus que se originou na China, espalhou-se pelo planeta e que, ao longo de 2020, contaminou 75 milhões de pessoas e foi apontado como a causa de quase 1.700.000 mortes nos cinco continentes.

As pessoas, em condições normais, estão sempre mais dispostas a abrir mão de seus direitos do que dos seus interesses; pode ser incômodo ouvir isso, mas é assim que as coisas são na vida real. No caso da covid-19, a maioria abriu rapidamente mão de seus direitos em favor do medo-pânico que os governos e os seus mandarins, as classes acostumadas a tratamento médico de primeira linha e os meios de comunicação em geral promoveram de forma maciça desde o começo da epidemia. Em troca da “vida”, que no imaginário público passou a ser salva pelo “distanciamento social”, pela máscara e pelo “fique em casa”, vale aceitar qualquer ordem vinda de cima – a começar pelas que jogam no lixo os direitos do cidadão.

J. R. Guzzo é jornalista e colunista do 'Estadão' Foto: Nilton Fukuda/Estadão

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O ano que se encerrou deixou claro que estamos vivendo num mundo no qual cada vez mais gente que nunca recebeu um voto na vida, de fiscais de loja a médicos amestrados, de gestores de marketing a ministros dos tribunais superiores de Justiça, tomam um número cada vez maior de decisões básicas para a existência cotidiana das pessoas – decisões que ninguém estaria autorizado a tomar num regime que possa ser minimamente caracterizado como uma democracia. A Constituição brasileira é violada todos os dias, em nome da mais velhaca de todas as altas razões que as ditaduras costumam apresentar para justificar o que fazem – o “interesse comum”.

A liberdade está virando um artigo barato no Brasil, pelo conjunto da obra de todos os nomeados acima. Um papel especialmente abjeto está sendo desempenhado pelos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) – dispostos a trocar ciência por superstição, a agredir a lógica comum e a engolir qualquer afronta à lei para satisfazer os seus medos e as suas pequenas convicções sobre a doença. Não são melhores que os decretos sem pé e sem cabeça de governadores e prefeitos cada vez mais embriagados pela noção de que podem dar qualquer ordem que lhes passe pela cabeça, sem nunca ter de prestar contas (sobretudo à Justiça) pelas misérias que as suas decisões provocam na vida de quem lhes paga os salários.

O ano de 2020 se foi sem deixar memórias positivas. O ano de 2021 também não parece começar bem. Os avanços científicos podem trazer a vacina e ajudar a deter a progressão do vírus. Mas a passividade com que está sendo aceita a liquidação a preço de custo das liberdades pode acabar custando muito caro para a sociedade brasileira. Se o sujeito passa a vida em busca de alguma ordem para obedecer, com certeza vai logo encontrar alguém interessado em resolver o seu problema.

*JORNALISTA

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