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O jogo da democracia no Brasil e no mundo

O clube dos moinhos de vento

A democracia perde quando o debate foge dos fatos e abraça o universo ficcional dos moinhos de vento

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Por João Gabriel de Lima
Atualização:

A imigração certamente não é o problema mais sério da França. Todos os dias chegam à União Europeia trabalhadores de várias nacionalidades e qualificações. Segundo estudos da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, a OCDE – o clube dos países ricos –, os imigrantes movimentam a economia em países onde a população está envelhecendo. A seleção de futebol que ganhou a Copa do Mundo é o emblema da nova França multicultural. 

O segundo turno entre Emmanuel Macron e Marine Le Pen será amanhã – e a imigração foi tema no debate eleitoral francês. “Le Pen suavizou seu discurso, mas sua posição histórica – fechar as fronteiras francesas – atentaria contra um dos princípios básicos da União Europeia, que é a livre circulação de pessoas”, diz o cientista político Andrei Roman, entrevistado no minipodcast da semana. Ele é CEO do Atlas, empresa de análise de dados que atua em eleições em vários países. 

Macron e Le Pen;um traço comum entre Brasil e França é a existência de políticos que usam a tática de desviar o assunto para temas irrelevantes, mas com apelo popular Foto: Gonzalo Fuentes/Reuters

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O Brasil tem problemas seriíssimos – inflação, corrupção, pobreza – e a falta de liberdade de expressão não está entre eles. O tema, no entanto, ganhou relevância ao longo desta semana. Em decisão “pedagógica”, como observou o Estadão em editorial, o Supremo Tribunal Federal condenou o deputado federal Daniel Silveira a oito anos e nove meses de cadeia, “por usar de violência ou grave ameaça para impedir o exercício dos Poderes”. 

Para atiçar uma discussão falaciosa sobre liberdade de expressão, o presidente Jair Bolsonaro peitou o STF ao quebrar uma promessa de campanha e conceder indulto ao deputado criminoso. De acordo com o editorial do Estadão, “não existe liberdade de expressão para atacar a democracia”. 

Um traço comum entre Brasil e França é a existência de políticos que usam a tática de desviar o assunto para temas irrelevantes, mas com apelo popular – os “moinhos de vento”. 60% dos franceses se preocupam com a imigração, segundo pesquisa do Atlas. “Os benefícios econômicos não são óbvios para grande parte dos eleitores, e a direita radical usa isso”, diz Roman. 

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É uma tática disseminada. Na Hungria e na Polônia, candidatos à presidência inventaram um complô internacional LGBTQIA+. Viktor Orbán e Andrzej Duda venceram seus pleitos usando esse discurso. A última pesquisa do Atlas, no entanto, aponta uma vitória de Macron por 53 a 47. Mais uma vez os franceses deverão fugir do radicalismo.

As eleições de outubro dirão se Bolsonaro terá sucesso ao desviar a campanha dos problemas sérios. Qualquer que seja o resultado do pleito, a democracia perde quando o debate foge dos fatos e abraça o universo ficcional dos moinhos de vento.  

*ESCRITOR, PROFESSOR DA FAAP E DOUTORANDO EM CIÊNCIA POLÍTICA NA UNIVERSIDADE DE LISBOA

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