‘O centro deverá definir as eleições’, diz cientista político

Para analista, se não houver um mínimo de consenso em 2023, o País terá imensas dificuldades para avançar

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Por José Fucs
Atualização:

O cientista político Lucas de Aragão, sócio da Arko Advice, uma consultoria de Brasília, afirma que o centro deverá ser decisivo mais uma vez para o resultado das eleições em 2022. Mesmo que um candidato da chamada “terceira via” não decole, segundo Aragão, o centro será o fiel da balança, como já aconteceu em outros pleitos.

“O que fez o Bolsonaro ganhar a eleição em 2018 não foi o bolsonarismo. Foi o centro. O bolsonarismo deu a ele estrutura para ser competitivo. Talvez possa até tê-lo colocado no segundo turno. Mas a vitória veio com o apoio do centro”, diz. “Com o Lula foi a mesma coisa. Quando o Lula ganhou em 2002, ele já tinha uma base que o deixava competitivo eternamente, mas não lhe dava a vitória. Foi só quando ele conseguiu ganhar o centro que foi eleito.”

Aragão diz que eleição de 2022 será menos polarizada que a de 2018 Foto: FELIPE RAU/ESTADÃO - 6/10/2017

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Nesta entrevista ao Estadão, ele fala também que é preciso reduzir a tensão na arena política buscar o consenso, “que sempre trouxe resultados positivos” De acordo com Aragão, com a “política de choque” praticada nos últimos anos, o Brasil perdeu a oportunidade de avançar em matérias essenciais para a sua modernização. “Se não houver um mínimo de consenso em 2023, o País terá imensas dificuldades”, afirma.

Em 2022, o Brasil está entrando de novo num período eleitoral com um cenário político e econômico complicado. Em sua visão, o que acontece? Por que o Brasil fica “patinando” e não consegue deslanchar?

Há uma série de motivos. A gente vem de uma situação fiscal muito complicada já há alguns anos, que talvez seja um dos grandes impeditivos para o País crescer. Hoje, a credibilidade internacional do Brasil é baixa, o que afeta o fluxo de investimentos externos, apesar de o País ainda ser um destino relevante. Além disso, passamos por uma pandemia brutal e hoje o ambiente político está muito agressivo. No Brasil, as soluções sempre vieram do consenso político, até porque não tem como ser diferente. O Brasil é politicamente muito fragmentado e tem um Congresso que ganhou força nos últimos anos, em lugar do “presidencialismo imperial” praticado anteriormente. Então, com esse quadro, formado por uma crise fiscal alongada, uma crise de credibilidade com o mercado internacional e local e por uma política agressiva, que optou em diversos momentos pelo choque e não pelo consensualismo, a gente acabou perdendo oportunidades de avançar em inúmeras matérias que deixariam o País um pouco mais organizado. Ainda assim, houve imensos avanços nos últimos anos. Eu não compro a ideia de que tivemos uma “década perdida”. Acredito que o Brasil é muito pior do que deveria ser, mas melhor do que parece.

Que avanços são esses que o sr. mencionou?

O País implementou uma série de medidas de modernização nos últimos seis ou sete anos, como a reforma da Previdência, o teto de gastos, que, apesar de ter sido “furado’, ainda é melhor do que nada, a reforma trabalhista, a nova Lei de Falências, os novos marcos regulatórios do saneamento e das ferrovias, a Lei do Gás e a PEC do Mar, que podem trazer muitos investimentos. Só que, no Brasil, as boas notícias são constantemente soterradas pelas más. A maioria das boas notícias que aconteceram no Brasil nos últimos anos tem impacto estrutural. Elas demoram para maturar e produzir grandes efeitos. Enquanto tudo isso está acontecendo, as notícias conjunturais são muito ruins. A gente tem uma conjuntura em que o Brasil está gerando cada vez mais notícias polarizantes e que causam desconfiança no mercado, mas estruturalmente, há muitos anos, o País está avançando em várias questões. No meio de todos esses avanços, porém, nós tivemos uma crise fiscal muito forte, uma pandemia que desarranjou o País e muita tensão política.

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Em sua avaliação, como o País pode superar essa tensão?

É preciso buscar o consensualismo, que sempre trouxe resultados positivos para o Brasil. Até as vitórias eleitorais dependem do centro no País, mesmo quando ele não vence as eleições. O que fez o Bolsonaro ganhar a eleição em 2018 não foi o bolsonarismo. Foi o centro. O bolsonarismo deu a ele estrutura para ser competitivo. Colocou-o em pé, deu a ele viabilidade. Talvez possa até tê-lo colocado no segundo turno. Mas a vitória veio com o apoio do centro. Com o Lula foi a mesma coisa. Quando o Lula ganhou em 2002, ele já tinha uma base que o deixava competitivo eternamente, mas não lhe dava a vitória. Foi só quando ele conseguiu ganhar o centro que foi eleito. Vendo esse cenário hoje, o Lula está procurando o (Geraldo) Alckmin (ex-governador de São Paulo), porque sabe que a arbitragem de tensão pode lhe dar um favoritismo ainda maior do que já apresenta nas pesquisas.

Na eleição passada, havia duas narrativas, a do Bolsonaro e a do PT. Hoje tem três: a do Bolsonaro, a do PT e a do ‘não quero nenhum dos dois’ 

A questão é que, hoje, a gente vive uma forte polarização no País, que já vem de algum tempo. Como buscar o consenso e fazer as coisas caminharem neste sentido em meio à polarização?

A polarização não é ruim por si só. Os Estados Unidos, por exemplo, são polarizados desde que nasceram, com dois partidos fortes e um grupo independente. A Inglaterra tem dois ou três partidos.No Brasil, o topo da pirâmide é polarizado, mas a base, não. Não adianta os candidatos a presidente serem polarizados e as narrativas federais serem polarizadas se quem decide não é. O Congresso Nacional não é polarizado. As assembleias e as câmaras municipais, também não. Nem os fóruns de políticas públicas. Quando o topo da cadeia não consegue conversar com a parte de baixo, a cadeia entra num impasse político. Eventualmente, quando esse impasse acontece, a parte de cima é obrigada a se despolarizar, como aconteceu com o Bolsonaro. No início do mandato, ele tinha a sua visão muito cristalizada, mas quando bateu de frente com o Congresso, que não pensava igual, não era polarizante como ele, o Bolsonaro se viu obrigado a falar com o PP, o PL, o PSD, com todos esses partidos, e com políticos como Valdemar Costa Neto (presidente do PL e ex-deputado federal), Ciro Nogueira (ministro da Casa Civil, e senador licenciado pelo PP), Arthur Lira (presidente da Câmara, também do PP), Rodrigo Pacheco (presidente do Senado, do PSD) e o (deputado) Marcos Pereira (presidente do Republicanos). Quanto mais rápido a realidade se impuser no topo da pirâmide, mais chance haverá para a agenda avançar.

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Toda eleição é importante, mas muitos analistas têm dito que essa eleição é “a mais importante” das últimas décadas para o Brasil. O sr. também pensa assim?

Eu não vejo desta forma. Toda eleição é mais importante do que a anterior e menos importante do que a próxima. Talvez esta eleição seja mais interessante do que as do passado, porque será menos polarizada do que a de 2018. Na eleição passada, havia duas narrativas, a do Bolsonaro e a do PT. Hoje tem três: a do Bolsonaro, a do PT e a do “não quero nenhum dos dois”. Agora, se você perguntar para qualquer um por que esta eleição é mais importante, todo mundo vai dizer que é por causa da democracia, das instituições, do não sei o quê. Mas cada eleição tem o apelo do momento. Em 1994, houve uma eleição logo depois de um impeachment; em 1998, a questão era dar continuidade ao Plano Real ou retroceder; em 2002, a dúvida era se o Lula seria o radical das campanhas anteriores ou mais centrista; em 2006, com o mensalão, era preciso decidir se o Lula deveria continuar ou não; em 2010, existia a possibilidade de eleger a primeira presidente mulher, que é algo que mesmo democracias mais modernas, como os Estados Unidos, nunca fizeram; em 2014, em meio à Lava Jato e à crise econômica, a grande dúvida era se o PT deveria continuar ou se finalmente o PSDB deveria voltar depois de 12 anos; e em 2018, o que estava em jogo era se a gente iria eleger ou não um presidente de direita, um capitão. Em toda eleição há um fato que parece o mais importante do mundo até que venha a próxima.

Talvez, a ideia de que esta eleição seja mais importante tenha a ver com um superdimensionamento dos problemas que a gente vive hoje. O que o sr. pensa sobre isso?

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Acredito que os problemas atuais são muito sérios. Não acho que haja um superdimensionamento dos problemas. O Brasil está passando por um momento muito difícil. Quase 700 mil pessoas já morreram na pandemia. Dezenas de milhões de brasileiros foram afetados pela morte de alguém, num ano muito difícil. Houve aumento da fome, do desemprego. As pessoas estão com dificuldade para pagar suas contas. Por tudo isso, é difícil falar em superdimensionamento das coisas. Parece pouco sensível ao momento que o país vive. Então, as pessoas tratam hoje esta eleição como a mais importante pelo momento difícil que o Brasil vive e por um viés de olhar o presente sempre como mais sério e mais importante, como de fato é. Talvez, também, porque seja uma eleição mais emotiva. Hoje, a gente tem um quadro em que 40% da população odeiam o outro lado, que representa 30% e pensa da mesma forma. Isso gera muita emoção, muita paixão, e tudo que gera muita emoção e muita paixão acaba sendo um pouco exagerado.

A gente não vai acordar no dia 1º de janeiro vendo um Congresso absolutamente novo

Olhando o quadro eleitoral como está posto hoje, considerando os diversos candidatos a candidatos, como o sr. vê a perspectiva de o País caminhar no sentido desse consenso no próximo governo?

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Se não houver um mínimo de consenso em 2023, o País vai ter imensas dificuldades. Quando digo consenso, não precisa envolver todo o País. Não precisa estar todo mundo na mesma página. Mas uma parte relevante precisa concordar no mínimo com algumas coisas. Acredito que quem quer que seja o próximo presidente vai ter de seguir a cartilha de Brasília, de buscar o apoio do Congresso, de um presidencialismo de coalizão, de alianças com partidos que pensam diferente, porque se isso não acontecer a agenda não vai avançar. O Congresso continuará forte, mais independente e autônomo do que no passado, e com mais controle sobre o orçamento, derrubando vetos, como a gente viu neste governo. O presidente Bolsonaro bateu o recorde em vetos revertidos pelo Congresso, que tem hoje uma série de mecanismos para fazer o presidente levá-lo a sério.

A gente fala muito do pleito presidencial e muito pouco da eleição para o Congresso, que tem hoje esse poder todo que o sr. acabou de comentar. Como o sr. avalia as perspectivas para o novo Congresso? As forças políticas tradicionais devem continuar a controlá-lo?

A gente não vai acordar no dia 1º de janeiro vendo um Congresso absolutamente novo. Vão acontecer mudanças pontuais, mas no fim o Congresso vai ter o mesmo perfil. Vai continuar fragmentado e com as forças políticas de centro dominando a pauta. Se você fizer uma pesquisa no País para avaliar a credibilidade das instituições, vai verificar que a do Congresso é muito baixa. Mas isso acaba não tendo grande efeito prático, porque as decisões de cada região produzem sempre um Congresso muito parecido. A gente tem uma taxa de renovação muito alta no Congresso, uma das mais altas do mundo há muitos anos, na faixa de 40% ou um pouco mais. Na última eleição, foi até um pouco mais alta, bateu recorde, chegando a quase 50%. Mas nós vamos continuar a ver os mesmos partidos no Congresso. Não tem outra saída.

Como o sr. vê a atuação de partidos como o Novo, de movimentos como o MBL (Movimento Brasil Livre), o VPR (Vem Pra Rua) e o Livres e organizações de renovação política como o RenovaBR?

Todos esses movimentos de renovação – MBL, Vem Pra Rua, Livres e o próprio RenovaBR, do qual fui co-fundador com o Edu Mufarej – têm um papel relevante. Se eles vão crescer ou não, depende das pessoas que fazem parte desses movimentos. Agora, eles sempre desaguam num partido, que tem força para contornar eventuais problemas ideológicos que possam surgir. A não ser que a pessoa tenha uma presença midiática, social, muito forte, como a (deputada) Tabata (Amaral), que bateu de frente com o PDT. De qualquer forma, esses grupos não vão alterar o Congresso de uma legislatura para outra. Se conseguirem mudar, vai ser depois de muitas legislaturas. Além disso, eles não têm uma pauta única. Dentro do Renova, por exemplo, tem gente que pensa de um jeito e  gente que pensa de outro. Tem o (deputado) Vinicius Poit (do Novo) e a Tábata. Como a eleição do Congresso é ultrafragmentada, em realidades ultradistintas, não existe união para mudar o Congresso.

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Nós falamos sobre muitos obstáculos que estão presentes na vida política e econômica do País. Que oportunidades o sr. enxerga pela frente e quais as perspectivas de elas serem efetivamente aproveitadas?

Talvez a grande boa notícia dessa intensa polarização, dessa agressividade que a gente tem visto é que, de uma forma ou de outra, os principais candidatos já entenderam, por mais que uma parte da sociedade ache isso feio, que não há caminho a não ser negociar com todas as forças políticas. Os principais candidatos, explicita ou implicitamente, estão dando sinais de que vão conversar com as diferentes forças do País. O (ex-juiz Sérgio) Moro (pré-candidato pelo Podemos) está em roadshow político por Brasília, São Paulo, Rio Grande do Sul e em negociações avançadas com o União Brasil. Ele está falando para todo interlocutor que encontra que não vai ser um vingador, que sente que tem de conversar com os partidos. O Lula, embora não negue nem confirme a aliança com o Alckmin, mostra também que quer ser percebido como alguém que vai conversar. O Bolsonaro entrou no PL, que ele e o filho criticaram lá atras, que o General Heleno (chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência) criticou lá atrás, e tem dentro do governo figuras do centro tradicional da política. Então, goste-se ou não, ache-se ético ou não essa questão de dividir o poder com partidos de centro, a verdade é que o Brasil é um país multipolarizado. Ninguém manda no Brasil sozinho. Muita gente manda no Brasil.

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