Caro leitor,
No capítulo passado, contamos aqui que o governo e o Congresso aguardavam ansiosamente pela alta hospitalar de Jair Bolsonaro para poder destravar suas ações. O que ninguém esperava é que esse retorno trouxesse junto um inesperado e complicado efeito colateral.
No mesmo dia em que deixava o Hospital Albert Einstein, rumo à Brasília, Bolsonaro e seu filho Carlos Bolsonaro dispararam declarações e postagens públicas contra o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gustavo Bebianno, o acusando de mentir ao falar que conversara com o presidente três vezes sobre sua suposta participação em esquema de candidaturas laranjas e que não havia crise no governo.
A inacreditável fritura pública de Bebianno criou um racha dentro da equipe, causou importantes reações solidárias ao ministro no Congresso e pôs em xeque o peso da atuação política dos filhos do presidente, justamente no momento em que o governo e os parlamentaresse preparam para finalmente discutir a reforma da Previdência. Mas, num desfecho mais surpreendente ainda, Bolsonaro decidiu manter Bebianno no governo, como você pode ler aqui.
Nesta reportagem, você pode entender detalhadamente toda a crise provocada entre o clã Bolsonaro e o ministro Bebianno. Na sua coluna, José Nêumanne também comenta o peso negativo desse imbróglio.
Com pouco menos de dois meses de existência, o governo Bolsonaro produz sozinho um inacreditável gol contra, que pode ter desdobramentos imprevisíveis no momento em que precisava ter a maior coesão possível para aprovar uma proposta central para a recuperação econômica do País, como é a reforma da Previdência. A crise com Bebianno causa impactos imediatos.
O primeiro e mais claro é o recado dado pelo presidente: se um aliado de primeira hora como Bebianno foi exposto dessa maneira, ninguém está seguro na relação política com Bolsonaro ou com seus filhos. E tudo o que o Congresso mais detesta é fechar acordos com quem não é confiável.
A própria interferência inadequada de Carlos Bolsonaro e seus irmãos sobre as decisões do presidente é outro fator de desconforto geral. Nesse editorial, você pode entender o quanto isso tem sido complicado.
O segundo recado e, possivelmente, o mais importante é que o governo vai precisar como nunca de deputados e senadores para debelar essas pesadas nuvens políticas que pairam sobre o Congresso e aprovar a reforma. Mas já sabe que, a partir de agora, será diferente.
Como administrar, por exemplo, a reação de boa parte dos integrantes do PSL, partido de Bolsonaro e envolvido diretamente na acusação de bancar candidaturas laranjas? O próprio presidente nacional do PSL, deputado Luciano Bivar, que é deputado federal e segundo vice-presidente da Câmara,aparece citado nessas suspeitas como mostra reportagem do Estadão.
Sem ter montado sua articulação política dentro do governo, o Planalto depende da liderança dos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre, para não deixar que a reforma da Previdência desande no meio da turbulência política. Otimista, Davi avalia que a crise não vai barrar a reforma. Para ele, muito mais importante é que o texto da proposta finalmente começou a sair do papel e será enviado para o Congresso.
É isso que mais causa espanto. Parecem existir dois mundos paralelos convivendo nesse momento no Brasil. O anúncio de alguns dos pontos centrais da reforma, como a idade mínima de aposentadoria fixada em 65 anos para homens e 62 anos para mulheres, num prazo de transição de 12 anos, causou reação muito positiva no mercado, independentemente da crise política. Você pode ver os primeiros pontos da reforma aqui.
A proposta é considerada mais profunda e robusta do que a apresentada durante o governo de Michel Temer e ainda tem gordura para queimar, podendo reduzir um pouco o seu alcance na negociação com o Congresso, sem perder força, como conta aqui o colunista Fábio Alves.
Mas essa é a parte positiva. Do lado negativo, é difícil imaginar que passará ao largo a quantidade de desgaste que a administração de Bolsonaro vem acumulando em tão pouco tempo. A sorte dogoverno é que a oposição, completamente bagunçada e fracionada, não consegue se organizar para capitalizar a seu favor os erros cometidos pelo presidente e seus auxiliares. Mas, se o Planalto não mudar seu jeito de fazer política, nem será preciso oposição para colocar obstáculos no caminho de Bolsonaro. O próprio governo se encarregará de fazer isso.
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