BRASÍLIA - A Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e Lavagem de Dinheiro (Enccla), rede de instituições brasileiras que cria as metas anuais de combate a esses tipos de crime, quer elaborar um método de investigação contra a lavagem de capitais por meio de criptomoedas, como o Bitcoin – uma moeda virtual. A proposta é uma das que serão debatidas no encontro nacional da Enccla, realizado entre os dias 19 e 23 de novembro em Foz do Iguaçu (PR).
O objetivo da proposta é levantar boas práticas no combate ao uso das criptomoedas ao redor do mundo e estabelecer uma normativa que possa instituir um modelo de fluxo de investigação a ser adotado por investigadores. Atrelada ao Ministério da Justiça, a Enccla analisa e estipula as diretrizes a serem seguidas no combate aos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro e é formada por mais de 70 órgãos dos três poderes da República, Ministérios Públicos e da sociedade civil.
Tendo o Bitcoin como nome mais conhecido, as criptomoedas e seu uso por criminosos já saíram das séries de TV como “Billions”, em que o bilionário Robert Axelrod paga propina apenas com um pendrive com informações sobre a transação, e virou alvo de investigações da Polícia Federal. Em julho, a operação Antígoon avançou sobre uma organização criminosa ligada ao narcotráfico que exportava droga trazida do Peru, Colômbia e Bolívia, via os portos do Rio de Janeiro, Vitória e Santos, para países da Europa, África e Ásia.
Ao longo da apuração, os investigadores descobriram transações milionárias efetuadas para o pagamento da droga por meio de bitcoins. À época, segundo o delegado Carlos Eduardo Thomé, responsável pelo caso, o grupo recebia os pagamentos em moedas virtuais para “dificultar o rastreamento” por parte das autoridades.
É para fortalecer esse tipo de investigação que a Enccla pretende debater o tema das criptomoedas. Segundo fontes da PF ouvidas pelo Estado, atualmente, a ausência de uma regulamentação de fluxos para a investigação desse tipo de crime coloca em xeque toda a política de combate à lavagem de dinheiro.
Segundo esta fonte, em casos como o da Antígoon, a PF não tem definido nem a quem solicitar o bloqueio dos valores transacionados via criptomoedas. Para a diretora do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI) Camila Colares, que também é responsável pela coordenação da Enccla, o grande desafio é buscar uma solução equilibrada que ao mesmo tempo evite os riscos do uso da criptomoeda para a lavagem de dinheiro, mas que também não engesse uma nova tecnologia que possa estar surgindo.
“A dificuldade de regulamentação que temos hoje é porque ainda não conhecemos as potencialidades – negativas e positivas – desses ativos virtuais. E é nesse contexto – de um tema que ainda se tem muito a descobrir - que a Enccla discutiu de forma mais ampla esse assunto em 2018 e dará continuidade na discussão em 2019 – agora com um viés mais criminal, sempre pensando em uma abordagem responsável”, afirma Colares.
Ação 8
A proposta a ser debatida neste ano é uma continuação da “Ação 8” de 2018. Coordenados pela Receita Federal, colaboradores de diversos órgãos como Abin, Coaf, Banco Central e PF debateram o tema e chegaram a proposição de uma minuta com proposta de alteração da lei de lavagem de dinheiro, e a produção de uma coletânea sobre a jurisprudência já existente. O material também deve ser debatido na reunião deste ano.
O que é a Enccla
Atrelada ao Ministério da Justiça, a Enccla analisa e estipula as diretrizes a serem seguidas no combate aos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro e é formada por mais de 70 órgãos, dos três poderes da República, Ministérios Públicos e da sociedade civil.
Como funciona: Ao longo do ano os órgãos enviam propostas para o ano seguinte. No final de cada ano, Enccla escolhe temas e, em reunião com todos integrantes, escolhe quais serão transformados em metas/ações para o ano seguinte.
As outras propostas que serão analisadas são:
Combate Corrupção - Criar rede de comunicação entre órgãos e entidades específicos para consolidar informações sobre suborno transnacional - Elaborar e publicar cartilha de integridade nas compras públicas - Enfrentamento dos saques em espécie e transferências a partir de contas públicas destinatárias de convênios e repasses (criminalizar saques e transferência em espécie de contas públicas) - Desenvolver medidas pontuais objetivando o fomento à transparência pública, aos dados abertos e ao controle social - Concessão de acesso online às instituições de controle, fiscalização e persecução penal aos extratos que envolvam recursos públicos - Prevenção e combate à corrupção e à lavagem de dinheiro por parte de agentes públicos por meio do acompanhamento da evolução patrimonial e dos bens em uso - Diagnóstico de identificação dos fluxos de trabalho, processos e procedimentos administrativos apuratórios, e outros, que tenham como objetivo ou resultado possível: 1) prevenir corrupção; 2) apurar a ocorrência ou instruir em sua percepção; e 3) responsabilizar extrajudicialmente ou permitir a responsabilização judicial dos responsáveis e a efetiva recuperação de ativoLavagem de dinheiro - Verificação da qualidade, abrangência e tempestividade das informações prestadas pelas instituições financeiras às autoridades judiciárias, policiais e ministeriais, via Sistema de Investigação de Movimentação Bancária e Financeira (SIMBA) - Elaborar diagnóstico e propor a regulamentação do artigo 7°, §1° da Lei n° 9.613, de 3 de março de 1998. (Objetivo é definir destino dos valores recuperados em processos de lavagem) - Avaliar a necessidade de propor atualização do art. 9º da Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998, de forma a estabelecer claramente os setores econômicos comunicantes e seus órgãos reguladores. (Incluir novos setores obrigados a informar transações ao Coaf) - Integrar notários e registradores no combate à prevenção aos crimes de lavagem de dinheiro e corrupção - Propor alterações normativas e/ou melhoria de controles para evitar a utilização de empresas de fachada para a lavagem de dinheiro e outros ilícitos - Combate à blindagem e ocultação patrimonial por meio operações financeiras suspeitas - Grupo de estudo sobre alterações legislativas para combater a lavagem de dinheiro decorrente de sonegação fiscal - Reforma da Lei nº 7.492, de 16 de junho de 1986 (Lei dos Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional ou “Crimes do Colarinho Branco”), notadamente para afastar dúvida quanto à sua incidência sobre administradores de fundos de investimentos e de entidades de Previdência.