Novos prefeitos entram na corrida pela vacina

Especialistas veem risco de desigualdade entre regiões ricas e pobres; demora do Ministério da Saúde fez capitais assinarem acordos para comprar imunizante

Por Bianca Gomes e Tulio Kruse
Atualização:

Em mais de 5,5 mil municípios brasileiros, prefeitos iniciam novos mandatos nesta sexta-feira, 1º, com a responsabilidade de organizar a vacinação contra o coronavírus – um processo que ainda não tem data certa para ter início. As prefeituras serão encarregadas de tarefas como a aplicação das doses, o atendimento ao público e parte da logística do transporte e armazenamento, mas dependem dos governos federal e estaduais para o fornecimento das doses no prazo e em quantidade suficiente. Especialistas e gestores públicos têm debatido o risco de haver desigualdade na distribuição entre regiões ricas e pobres.

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Com a demora do Ministério da Saúde para definir a compra dos imunizantes, algumas cidades têm tomado a iniciativa por conta própria. Capitais como Belo Horizonte, Curitiba e Rio de Janeiro já têm acordos para a compra da Coronavac, desenvolvida pelo Instituto Butantã e pelo laboratório chinês Sinovac.

Enquanto isso, Recife e Salvador negociam com o Butantã e o governo João Doria (PSDB) para garantir o fornecimento. “Já adquirimos seringas e agulhas. Temos um plano de imunização pronto para garantir o público prioritário. Não vamos ficar só na dependência do governo federal”, diz o novo prefeito de Salvador, Bruno Reis (DEM). Além do Butantã a cidade conversa com outros laboratórios. “Reservamos R$ 80 milhões para compra de vacina. Não há nada mais importante nesse momento. É lamentável que o País não tenha iniciado a imunização ainda.”

Eduardo Paes no Cristo Redentor: prefeito entrou na busca pela vacina, assim como os colegas de outras capitais. Foto: Wilton Junior/Estadão

Municípios pequenos, porém, não têm dinheiro para compra de insumos básicos e dependem do repasse da vacina pelo governo federal. A Frente Nacional dos Prefeitos (FNP), que representa 406 cidades com mais de 80 mil habitantes e cerca de 70% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional, também assinou um termo de cooperação com o Butantã. Uma das cláusulas dá a prerrogativa de compra para o Ministério da Saúde mas, ao mesmo tempo, o termo garante o repasse do imunizante para os municípios filiados caso a aquisição pelo ministério não ocorra. “Todas essas vacinas que estão lá no Butantã, se o governo federal disser ‘vou comprar’, ele compra tudo”, diz o presidente da FNP, Jonas Donizette, que deixa a prefeitura de Campinas nesta sexta. “Se não fizer, aí as pessoas (prefeitos) que assinaram o protocolo terão prerrogativa, como a Frente.”

Segundo o presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), Glademir Aroldi, a desigualdade na distribuição das vacinas é um tema que preocupa secretários e prefeitos. “Não dá para cada Estado, cada município da federação, adquirir e imunizar de forma isolada.”

Uma reunião entre a confederação e o Ministério da Saúde está prevista para a segunda semana de janeiro. Os prefeitos querem orientações sobre a distribuição das vacinas, equipamentos necessários para transporte e armazenagem, e clareza sobre a data de início da campanha.

Mesmo municípios mais pobres tentam não depender do governo federal. Na Grande São Paulo, o novo prefeito de Itaquaquecetuba, Eduardo Boigues, começou a se organizar com o Consórcio de Desenvolvimento dos Municípios do Alto Tietê. Ele diz que, se a vacina chegasse hoje, a cidade não teria como aplicá-la, pois faltam insumos. “A partir do consórcio, estamos viabilizando a infraestrutura para que no dia 25 de janeiro nós tenhamos capacidade de vacinar a população.” Um dos planos é que cidades com insumos sobrando forneçam materiais para as que não têm o suficiente.

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Desafios

Para um sistema de Saúde acostumado com grandes campanhas, como a da gripe, a novidade será atender grupos de risco com segurança, além de obter insumos suficientes e locais de armazenamento. “O primeiro desafio é ter a vacina. Depois, seringas e agulhas”, diz Juarez Cunha, presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações. Para ele, é difícil preparar um plano com tanta indefinição sobre qual vacina o País vai comprar. Já os insumos não devem ser um problema a curto prazo, mas podem faltar se não houver reposição. “As primeiras vacinas serão aplicadas provavelmente em uma situação pior de covid-19 do que temos hoje. Será preciso evitar juntar grupos de risco.”

Airton Stein, professor de Saúde Coletiva da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, também alerta para as aglomerações em postos de vacinação. Para evitá-las, cita a vacinação por drive-thru, usada na campanha da gripe, ou a domicílio. “As cidades que têm infraestrutura bem organizada vão desempenhar a tarefa com sucesso. As que não têm boa infraestrutura terão problemas.”

Após acordo com Butantã, Paes busca plano contra covid

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Antes mesmo da posse na prefeitura do Rio, Eduardo Paes (DEM) entrou na corrida dos prefeitos pela vacina contra a covid-19. Após encerrar a gestão anterior na cidade, em 2016, com a Olimpíada, Paes enfrenta agora um cenário diferente. O município tem a maior taxa de letalidade por covid-19 entre as 26 capitais brasileiras. Na cidade, um a cada 13 pacientes da doença não sobrevive a ela, segundo a Fiocruz. Até o dia 30, contavam-se 165 mil casos e quase 15 mil mortos.

No domingo, Paes vai se reunir com o secretariado para debater e anunciar medidas relativas ao combate à pandemia. Ele já disse que trabalha com “todas as alternativas possíveis” de imunização. Também anunciou acordo com o Instituto Butantã para comprar vacinas produzidas pela instituição. E visitou a Fiocruz para obter informações. / FÁBIO GRELLET

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