05 de janeiro de 2015 | 02h03
De Lula a Dilma, de Sarney a FHC, o velho deputado sempre foi governista. Hábito. Pouco importa se seu partido faz oposição ao presidente da ocasião ou se ele próprio fez campanha para o adversário. O líder do governo - de qualquer governo - sabe que pode contar com seu voto em 80% das vezes ou mais. O líder de seu partido sonha em ter a mesma confiança, mas não reclama.
Melhor um deputado governista na própria bancada do que na dos rivais. Ele conta tempo de TV para o partido e aumenta a cota de recursos do Fundo Partidário para a agremiação. Deixa como está.
E o velho deputado, nunca pensou em trocar de legenda? De jeito nenhum. Ele se considera um quadro histórico. Trocaram as denominações de seu partido, trocaram a sigla, trocaram a posição em relação ao governo, mas ele não trocou nada. Está onde sempre esteve. É um liberal conservador, um governista de oposição, um ruralista pró-hospitais filantrópicos, um amigo do Tibete que defende o "direito da legítima defesa", um apoiador da microempresa em favor da "cadeia do aço e ferro gusa".
Sua base eleitoral sabe que pode contar com o velho deputado, principalmente com suas emendas ao Orçamento da União. São milhões e milhões a cada ano para as pequenas e médias cidades que costumam elegê-lo, cada vez com mais votos. Por obra do destino, às vezes coincidem a liberação, pelo governo, dos recursos dessas emendas com votações na Câmara. Mas, de novo, o que pode o velho deputado fazer se o governo concorda com ele?
Mais recentemente, outra coincidência tem lhe trazido dissabores. Só porque umas empresas que levam o seu nome recebem dinheiro do governo federal, acusam-no de franciscano. De fazer a política do toma lá dá cá, do "é dando que se recebe". Ora, que culpa tem ele se o governo precisa de suas faculdades? Não as intelectuais, diga-se, mas de suas salas de aula.
Começaram alugando-as para fazer o Enem (Exame Nacional o Ensino Médio), depois, para colocar alunos que têm suas mensalidades bancadas pelo Fies (Financiamento Estudantil). De R$ 1,5 mil em 2011, o dinheiro recebido da União pelas empresas homônimas ao velho deputado subiu para R$ 3,5 milhões em 2012, foi a R$ 12 milhões em 2013 e chegou a R$ 25 milhões em 2014. Tudo legal.
É muita implicância. Até da locadora de onde aluga os carros que usa quando está em Brasília desconfiam - só porque a fatura é paga pela verba de gabinete que recebe da Câmara. Basta. Chega. Não dá mais para o velho deputado. Ele vai voltar para sua terra natal, onde lhe dão valor por suas empresas, fazendas e hospital filantrópico que administra, com pequena ajuda federal.
Está na hora de deixar as novas gerações assumirem essa luta ingrata. É exatamente isso que seu filho deve fazer, assim que tomar posse de sua cadeira na Câmara dos Deputados. O velho deputado vai ser substituído pelo novo deputado. Ele foi eleito pela antiga base eleitoral do pai - praticamente uma herança. Pelo fabricante de armas e cartuchos que financiou sua campanha, deve integrar a mesma frente pelo "direito da livre defesa".
Assim se renova a política no Brasil. Sai o pai e entra o filho. Mudam caras e prenomes, seguem os sobrenomes. Trocam as siglas e os partidos, permanecem as práticas, usos e costumes - principalmente com o dinheiro público. E o velho deputado? Vira foto na parede, nome em letreiro? Isso também - além de garantir uma suplência no Senado, que ninguém é de aço ou ferro gusa.
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