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Novo aliado de Bolsonaro, Centrão pressiona por mais gastos públicos

Mudanças propostas pelo grupo, como tornar permanente auxílio de R$ 600, vão contra política econômica de Paulo Guedes

Por Idiana Tomazelli e Camila Turtelli
Atualização:

Mais novo aliado do presidente Jair Bolsonaro, o bloco de partidos chamado de Centrão quer um governo mais “gastador” e promete pressionar a equipe econômica para abrir os cofres por meio de propostas no Congresso. A ala política do governo reconhece que precisará fazer acenos e conceder vitórias aos parlamentares para consolidar a aliança. A ordem até o momento, no entanto, é evitar uma “flexibilização radical” que coloque em xeque a agenda liberal e de austeridade do ministro da Economia, Paulo Guedes.

Um “cavalo de pau” na economia neste momento poderia significar o desembarque de Guedes, o que só arranharia a imagem do governo Bolsonaro enquanto o presidente ainda busca sobreviver às crises econômica e política deflagradas pela pandemia do novo coronavírus e pelas acusações de tentativa de interferência na Polícia Federal.

Da forma como foi aprovado no Congresso, texto libera o reajuste para 7 de cada 10 servidores públicos. Foto: Gabriela Biló/Estadão

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Nas últimas semanas, Guedes recebeu em diferentes ocasiões o respaldo público do presidente após ter entrado na mira do “fogo amigo” por insistir no discurso de manutenção da política de ajuste fiscal na fase pós-crise. Mas o Centrão, fortalecido por Bolsonaro, que precisa do apoio do grupo para escapar de um eventual processo de impeachment, deve continuar buscando a aprovação de medidas de seu interesse no Congresso, ainda que isso signifique entrar em embate com Guedes.

Técnicos da área econômica reconhecem que o ingresso do Centrão na base do governo pode acabar abrindo a porteira para gastos que, em tese, nem caberiam no Orçamento. Alguns focos de atuação do bloco de partidos têm sido as tentativas de tornar permanente o auxílio emergencial de R$ 600 a informais e de ampliar o valor do benefício pago a empregados com carteira assinada afetados por redução de jornada e salário ou suspensão de contratos.

Guedes, por sua vez, voltou a se aproximar do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), com quem havia rompido por divergências na votação do projeto de socorro a Estados e municípios. Embora o governo tenha mudado o relacionamento com o Legislativo, substituindo a negociação mediada pelos presidentes do Legislativo por uma conversa no varejo com parlamentares do Centrão, o entendimento é que Maia ainda “tem a caneta na mão” para definir a pauta de votações e, por isso, é quem dita as regras.

Um primeiro ensaio do atrito entre a orientação da ala política e da equipe econômica foi o aval dado pelo líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO), a uma emenda que blindou categorias de servidores da proibição a reajustes salariais nos próximos anos como contrapartida ao socorro a Estados e municípios. A votação contrariou Guedes, mas, segundo o deputado, a ordem partiu de Bolsonaro. “Sou líder do governo e não líder de qualquer ministério”, avisou.

Depois do episódio, Guedes defendeu o veto em entrevista ao lado do presidente, que, ao ser confrontado, avalizou a posição do ministro. O Congresso, porém, já fala em derrubar o veto aos reajustes salariais de servidores. O cenário perfeito para Bolsonaro: o presidente agrada Guedes com o veto e, nos bastidores, estimula o Centrão a derrubar sua decisão. 

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Na Câmara, a bancada do Nordeste – que reúne lideranças do Centrão – é uma das mais engajadas para tornar o auxílio emergencial de R$ 600 uma política permanente. Partidos do bloco também estão recebendo relatorias de medidas provisórias importantes, como a que concede crédito às empresas e a que reduz as alíquotas do sistema S.

Salário. Técnicos do Congresso lembram que a MP que define o novo valor do salário mínimo em R$ 1.045 ainda está em tramitação no Congresso e pode ser usada pelos partidos como moeda de troca. O presidente do Solidariedade, deputado Paulo Pereira da Silva (SP), o Paulinho da Força, apresentou emenda que pretende garantir aumento real ao piso nacional já este ano. Pela proposta, o valor subiria cerca de R$ 11 a mais em relação ao atual, o que representa mais de R$ 3,3 bilhões só neste ano. Se a equipe econômica perceber risco real de aprovação, pode-se abrir brecha para negociações e barganhas.

Apesar dos atritos esperados, a área econômica acredita que poderá se beneficiar com a consolidação de uma base do governo mais ampla. Nas semanas anteriores à aproximação com o Centrão, a pasta tinha dificuldades de arregimentar deputados suficientes até para pedir verificações de placar, estratégia usada muitas vezes quando se quer derrubar uma sessão para evitar uma derrota. Entre auxiliares do ministro Paulo Guedes, a ordem é não alimentar as desavenças com o Centrão. "Base do governo é para votar com o governo", diz uma fonte. A equipe já emitiu sinais de que quer dialogar, sendo um parlamentar do bloco ouvido reservadamente. Oficialmente, o Ministério da Economia não quis se manifestar.

Outro foco de tensão deve ser o chamado Plano Pró-Brasil de retomada da economia após a pandemia. Foco de desavença entre Guedes e o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, o plano deve virar motivo de pressão do bloco sobre a equipe econômica. Segundo fontes ouvidas pela reportagem, a visão do Centrão é muito mais alinhada à de Marinho, que deseja turbinar a retomada com obras pagas com dinheiro público, do que à de Guedes, defensor de privatizações e concessões, com menos investimentos com recursos da União.

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Dentro do governo, a ala defensora de um Pró-Brasil mais dotado de dinheiro público inclusive alerta que, se a equipe do presidente Jair Bolsonaro não tomar as rédeas desse debate, o Centrão irá fazer o seu próprio Plano Pró-Brasil. Nessa situação, o aumento de gastos poderia ser ainda mais dramático.

Nesse novo xadrez político, as reformas estruturais também podem se tornar mais vulneráveis ao jogo de interesses. Na quinta-feira passada, o próprio presidente da Câmara alertou para o risco. “Temos muito apoio para a reforma tributária e vamos avaliar como introduzir a reforma de bens e serviços para que não beneficie setores que foram mais atingidos. Não se pode usar a crise para garantir benefícios permanentes”, disse Maia.

Para o cientista político Rafael Cortez, da consultoria Tendências, mesmo que o governo construa agora uma coalizão forte com o Centrão, isso não vai se transformar automaticamente em maiores chances de aprovação das reformas. Embora os partidos de centro tenham votado alinhados à equipe econômica na reforma da Previdência, a avaliação é que o motivo da aproximação do Palácio do Planalto com o bloco acaba enfraquecendo a agenda.

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"O pecado governista não é a aproximação, que é inevitável. O pecado é a motivação, que não é (aprovar) reformas liberalizantes, mas uma estratégia de sobrevivência", diz Cortez. Segundo ele, a agenda econômica de reformas perderá força após a crise. Além disso, o cientista prevê maiores embates dentro do próprio Executivo, justamente pela pressão por mais gastos. "A agenda do ministro (Guedes) provavelmente vai ser constrangida, mesmo que haja retomada."

Para o cientista político Murillo de Aragão, sócio fundador da Arko Advice, Guedes continua sendo "o dono da chave do cofre", embora reconheça que a entrada do Centrão nas negociações com o Planalto vá exigir um esforço de interlocução do governo e da própria equipe econômica.

"A briga com o Centrão encobre o grande desafio do Paulo Guedes, que é fazer a economia reagir à crise", diz Aragão. Nas últimas semanas, Bolsonaro tem pressionado governadores a afrouxarem as medidas de isolamento social para permitir a reabertura de comércios. Ele tem jogado a culpa nos Estados pela derrocada da atividade. Para o cientista da Arko, no entanto, essa pressão pode se voltar contra o ministro da Economia. "Hoje, o presidente faz essa pressão na direção dos governadores. Daqui um mês, dois meses, pode pressionar o Paulo Guedes", afirma.

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