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Nos EUA, consultores escolhem prisões para os criminosos de colarinho branco

Especialistas em "pós-sentença" orientam presos de elite sobre melhor penitenciária para cumprir pena, de acordo com perfil do acusado

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Por Beatriz Bulla
Atualização:

Ser preso nos Estados Unidos pode ser menos penoso para empresários bem-sucedidos, políticos ou celebridades, graças à entrada em cena de um profissional chamado de expert em “pós-sentença”. Na prática, um criminologista atua como um consultor de prisões, contratado para estudar o perfil do cliente e recomendar, de acordo com uma análise das penitenciárias, onde é o melhor lugar para que a pena seja cumprida.

Prisioneiro idoso em centro penal da Califórnia Foto: REUTERS/Lucy Nicholson/File Photo

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A contratação é comum entre os presos por crimes de colarinho branco nos EUA que fazem acordos com a promotoria para confissão de culpa. Os advogados criminais recomendam que os clientes busquem por esse serviço. O especialista – que pode ser um criminologista ou alguém que já trabalhou no setor público com penas e correções - analisa características como religião, crime cometido, nacionalidade do acusado e residência da família para indicar a penitenciária mais adequada.

Para os judeus, há uma penitenciária indicada com lanchonete de comida kosher aos visitantes. Estrangeiros? Aquelas com agentes de imigração no mesmo local irão facilitar os trâmites da saída. Jovem e ativo? Provavelmente uma prisão que ofereça mais opções de atividade, como quadras de tênis, será a indicada.

Um dos nomes mais cobiçados entre os acusados nos Estados Unidos é o do criminologista Joel Sickler, fundador da empresa Justice Advocacy Group, que é especialista no assunto e trabalha com consultoria privada há cerca de 15 anos. Sickler foi responsável por recomendar que José Maria Marin, ex-presidente da CBF, fosse para a penitenciária de Allenwood, no Estado da Pensilvânia.

Allenwood recebe estrangeiros sentenciados por colarinho branco, por ser uma das penitenciárias que possui um programa em parceria com o departamento responsável por imigração nos EUA. Há agentes de imigração na penitenciária, o que permite que os presos estrangeiros realizem o procedimento burocrático de deportação no local. Isso evita que estrangeiros que precisarem ser deportados após o cumprimento da pena, como Marin, ainda passem semanas ou meses nos centros provisórios de detenção de imigrantes, conhecidos pelas condições precárias.

No caso de Marin, que tem 86 anos, a escolha também levou em conta o fato de que a prisão tem um centro médico considerado “decente” e a proximidade com Nova York. Em razão da idade, a avaliação feita pelo especialista foi de que haveria risco à saúde do ex-presidente da CBF se permanecesse por um longo tempo em custódia para transferências mais longas.

A cartela de clientes de Sickler conta ainda com o caso de Cameron Douglas, filho do ator Michael Douglas, lideranças do partido Democrata, empresários como o ex-CEO da Enron condenado por fraude contábil e um bilionário de Macau acusado de tentar subornar agentes da Organização das Nações Unidas.

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Após orientar o cliente sobre qual a melhor prisão, o especialista encaminha ao advogado do caso uma recomendação com detalhes que justificam a escolha. O pedido é enviado às autoridades públicas e o juiz do caso pode aceitar a recomendação e fazer o pedido ao Departamento de prisões.

Em 2002, o jornal Chicago Tribune noticiou que a hora de especialistas em pós-sentença – o que a publicação já chamava, na época, de uma “indústria crescente” - passava de US$ 400. O jornal The New York Times estimou o custo da contratação dos especialistas em “dezenas de milhares de dólares”.

Jack Donson, da empresa My Federal Prison Consultant, explica que muitas vezes o trabalho exige convencer o cliente a ir para uma penitenciária que à princípio não parece tão boa. “Quando faço treinamento com advogados e juízes, eles sabem pouco sobre o sistema prisional”, afirma Donson, justificando a necessidade dos profissionais.

Michael Cohen, ex-advogado de Donald Trump, sentenciado por fraude nas investigações sobre a campanha eleitoral do presidente americano pediu para ficar numa prisão considerada antiquada. A decisão levou em conta o fato de Oitsville ser considerada o “paraíso” para os judeus, com alimentação kosher e reuniões diárias para orações.

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A classificação preferida dos especialistas da elite, como Sickler, é a de experts em prisão e sentença. O termo “consultor de prisão” se popularizou nos EUA por ex-detentos que dão dicas de sobrevivência no cárcere – um trabalho considerado menos sério do que o dos criminologistas. “Acredite ou não, não há uma regulação nos EUA. Há muitos sites com gente se definindo como especialista em pós-sentença, mas há muitos no mercado querendo apenas tirar vantagem das pessoas”, afirma Donson.

Brasil: superpopulação carcerária e poder do juiz

Com a maior população carcerária do mundo, a justiça criminal dos EUA serviu de inspiração para a Lava Jato no uso da colaboração premiada e para o ministro da Justiça Sérgio Moro, que quer ampliar as possibilidades de acordo entre acusado e promotor na área penal.

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Não há impedimento no País para discutir os aspectos da condenação, inclusive a pena. Segundo João Pedro Pádua, advogado criminalista e professor de direito da Universidade Federal Fluminense, no entanto, há diferenças entre os dois países que seriam obstáculos a condenados brasileiros que queiram escolher onde cumprir a pena. A primeira é a superlotação do sistema penitenciário. “O Brasil tem um déficit de mais de 200 mil vagas no sistema prisional. Uma recomendação sobre onde o preso deveria cumprir pena seria inócuo nesse sentido, já que o primeiro objetivo seria garantir que houvesse vaga para o preso cumprir pena, em qualquer estabelecimento”, afirma Pádua.

O advogado explica ainda que nos EUA, diferente do Brasil, a fase de sentença é separada do julgamento e conta com ampla atuação e manifestação das partes que podem inclusive chamar testemunhas e submeter provas relevantes para fixar apena. “Por causa da extensão da fase de 'sentencing', inclusive, o juiz tem maior poder para determinar tempo de pena e mesmo o estabelecimento onde o apenado vai cumprir pena”, afirma Pádua. 

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