Se dependesse do deputado constituinte Michel Temer, hoje presidente da República, o Supremo Tribunal Federal (STF) teria 19 ministros – 11 vitalícios e oito com mandato de 12 anos – e duas seções, uma Constitucional e outra Especial. Os vitalícios seriam indicados pelo presidente da República. Os com mandato, quatro pelo Congresso e quatro “pelo Poder Executivo Federal”. Todos teriam de ser bacharéis em Direito há pelo menos 20 anos e passar por “audiência pública de arguição no Congresso” antes da nomeação presidencial.
A proposta de Temer para o STF foi detalhada na extensa emenda 00581, apresentada, em maio de 1987, à subcomissão do Poder Judiciário e do Ministério Público. O relator da subcomissão, deputado Plínio de Arruda Sampaio, do PT, já falecido, elogiou a contribuição – “consubstanciada brilhantemente pelo constituinte Michel Temer” – e a incorporou integralmente em seu segundo anteprojeto. O presidente da subcomissão, deputado José Costa, do PMDB de Alagoas, também elogiou: “Eu me rendo, sem dúvida alguma, à tese que considero realmente iluminada”. E exagerou: “Tenho-a para mim que é Deus olhando para o povo brasileiro e inspirando os nossos Constituintes”.
Temer ficou como segundo suplente da bancada do PMDB nas eleições para a Constituinte, que teve inicio em 1 de fevereiro de 1987, lá se vão 30 anos. Assumiu o mandato em meados de março – e integrou a subcomissão do Poder Judiciário e do Ministério Público, uma das 24 em que se dividiram os 559 constituintes na fase inicial dos trabalhos.
A emenda de Temer ajudou a resolver o impasse com o primeiro anteprojeto do relator petista Plínio Sampaio – que trocava o consolidado Supremo Tribunal Federal por um “Tribunal Constitucional”, composto de nove ministros, três escolhidos pelo presidente da República, três pelo Congresso Nacional e três pelo Tribunal Superior de Justiça (a ser criado, no lugar do STF). Foi uma grita geral – a começar do próprio Supremo. “Os ministros do STF foram importantes atores na Constituinte, construindo alianças com os parlamentares de centro e centro-direita, para que apoiassem a preservação do tribunal”, escreveram os cientistas políticos Andrei Koerner e Lígia Barros de Freiras no ensaio O Supremo na Constituinte e a Constituinte no Supremo, disponível na internet, onde a emenda Temer também é citada.
Mesóclise. Temer falou sobre a emenda na sessão de 23 de maio de 1987. “Tenho o maior apreço pelo Supremo Tribunal Federal, mas não posso deixar de reconhecer que os novos tempos exigem a ideia de um Tribunal Constitucional”, disse, defendendo a criação de duas seções no STF, uma delas a seção Constitucional, composta pelos oito ministros com mandato e por quatro dos vitalícios. Elogiou também como uma “inovação extraordinária” a ideia de audiência pública perante o Congresso Nacional. Já usava mesóclises: “Estar-se-á entregando ao povo, via representação nestas casas, Senado e Câmara, a possibilidade de arguir, de indagar, de perquirir, enfim, de estabelecer compromissos que serão cumpridos na Corte Suprema”.
Na mesma sessão – está tudo registrado nas atas da Constituinte disponíveis nos sites do Senado e da Câmara –, Temer chamou às falas, a seu estilo, o deputado piauiense Paes Landim, do PFL, “por uma referência pouco elogiosa, senão mesmo agressiva aos paulistas”. Landim via na proposta o interesse corporativo de entidades da magistratura de São Paulo – que de fato colaboraram com a emenda apresentada. Temer registrou, nos anais, a sua “não digo repúdio, mas insurgência contra a veemência com que V. Ex.ª, neste particular, agrediu o relator e os paulistas”.
Landim relevou, José Costa apascentou e o novo anteprojeto do relator Plínio Sampaio – com a emenda Temer ocupando três páginas e meia – foi aprovado na madrugada de 25 de maio de 1987, já de um domingo para segunda-feira. “As madrugadas fazem mal, ficamos meios distraídos”, comentou Plínio Sampaio durante a sessão, segundo consta na ata.
Na manhã da segunda, 25, os jornais registraram com destaque a decisão das subcomissões da Constituinte, entre elas a do Poder Judiciário e do Ministério Público. “Anteprojeto aprova STF em duas sessões”, dizia uma das matérias, citando a autoria do hoje presidente.
Faltava, entretanto, combinar com os russos – no caso, a Comissão da Organização dos Poderes e Sistema de Governo. Vinha a ser a soma de três subcomissões – a que Temer integrava e as do Poder Legislativo e Executivo – com um quórum maior. O presidente da comissão mais numerosa era o advogado e deputado mineiro Oscar Dias Corrêa Júnior, filho de pai ilustre – o homônimo ministro do STF.
“Meus prezados colegas, já são duas horas da manhã, já estamos todos cansados”, registrou na madrugada de 12 de junho Plínio Sampaio, o relator que aprovara o Supremo Tribunal Federal com duas seções e 19 ministros, como proposto por Michel Temer, um dos presentes. O cansaço não impediu Plínio Sampaio de fazer uma forte defesa da proposta (a emenda 265) – contestada com energia pelo deputado Luiz Viana Neto, do PFL baiano. Posta em votação, foi derrotada por 34 a 23. O texto aprovado na comissão criava um Supremo com 16 ministros, dez indicados pelo presidente e seis pela Câmara dos Deputados, com aprovação pelo Senado por 2/3 dos membros.
Fora. Na comissão que de fato valia – a de Sistematização – o relator, senador Bernardo Cabral, não incorporou a proposta da comissão, nunca mais retomada. Prevaleceu, em todos os cinco projetos de Constituição que foram votados na Sistematização e, depois, no plenário, o formato dos 11 ministros, todos escolhidos pelo presidente da República, com sabatina pelo Senado. Tal como era, tal como ficou.
A assessoria do presidente não deu retorno ao pedido de manifestação a respeito de sua atuação como deputado constituinte. Em entrevista publicada pelo Estado depois de sua posse na Presidência, Temer confundiu-se com o número de ministros que propunha – nove, no lugar de 19 – mas lembrou-se que defendeu a indicação dividida entre os Três Poderes e o mandato de 12 anos, que continua achando melhor. “Eu não acho ruim, não. Porque você tem a representação dos órgãos do poder no poder que julga. E 12 anos, convenhamos, é um período robusto”, disse.