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É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais. Escreve uma vez por semana.

Opinião|No interior gaúcho, um exemplo dos dilemas do Brasil

Conservadorismo, prosperidade e insatisfação com a saúde influenciam escolhas de moradores de pequena cidade no Rio Grande do Sul

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Machadinho - As escolhas de muitos eleitores são consequência não de situações práticas, como emprego, renda, custo de vida, serviços públicos ou mesmo notícias de corrupção, mas de identificações pessoais, de simpatias e rejeições. As questões práticas podem acabar servindo para fundamentar esses sentimentos. Isso fica visível entre os eleitores das classes A/B com apenas ensino fundamental em Machadinho. Dividido entre continuidade e mudança, esse grupo aborda os mesmos temas - estímulo à agricultura, atividade econômica - para explicar suas preferências. O conservadorismo de moradores da pequena cidade do norte do Rio Grande do Sul também pesa em suas escolhas. “A gente fica indeciso. Não sabe se está bom assim, se mudar fica melhor”, começa o fazendeiro Raul Tessaro, de 66 anos. “A vida melhorou nos últimos anos, a agricultura e os aposentados tiveram benefícios. Com certeza, foi bem melhor que os governos anteriores. Mas ainda não pensamos se continuamos ou mudamos. A gente tem que pensar que existe possibilidade de melhoras.” Tessaro, que sempre votou no PT, resume: “Estou mais ou menos satisfeito”.

"Dilma não fez nada. Deu salário para prostituta e presidiário. Já pensou o que vai virar o Brasil? Só vai ter preso e prostituta", Inês Miola, 54 ANOS, dona de supermercado Foto: Lourival Sant"Anna/Estadão
"Dilma não fez nada. Deu salário para prostituta e presidiário. Já pensou o que vai virar o Brasil? Só vai ter preso e prostituta", Inês Miola, 54 ANOS, dona de supermercado Foto: Lourival Sant"Anna/Estadão

Juros. “É muito imposto em cima das roupas. Sonegar não dá mais. Tem que pagar tudo certo”, continua Darlene, com um meio sorriso. “Meu marido é agricultor. Os herbicidas estão muito caros. Tem recurso, crédito, mas e os juros? Tem que pagar. É compromisso.” O casal votou no PT nas duas eleições anteriores. “Lula até estava fazendo bem. Este ano, acho que não vamos ajudar ela. Mas ela se elege igual.” Argeu Ferreira, pecuarista e dono de um edifício em que aluga apartamentos e lojas, foi vereador pelo PMDB e defende a continuidade. “Os planos governamentais estão muito bons para a agricultura, para o pessoal de renda baixa. Os programas dela estão bons. Então vamos continuar”, argumenta. “A vida tem melhorado muito aqui. Antes tu chegavas a um banco e não arrumavas dinheiro para nada. Hoje, tem dinheiro para tudo: casa própria, compra de gado, financiamento para tudo que é coisa.” Agricultor até o ano passado, Isaac Ruas, de 63 anos, trabalha agora só na pousada que abriu há cinco anos, para receber visitantes das termas. Ele quer mudança sem Dilma. “Acho que ela fez um bom governo. Só que manipulou os deputados e senadores para nem passar por uma comissão a proposta de redução da maioridade penal de 18 para 16 anos.” Ele tem filhos que moram em Florianópolis e diz que “reza todos os dias” para que não sejam vítimas da violência. “Aqui é o paraíso. Mas, para quem mora em cidade grande, isso é triste demais. E quem está cometendo crimes são os menores.” Mudança. Celsoir Escorteganha, de 58 anos, é um dos mais prósperos empresários da cidade. Conhecido como Sabiá, apelido que dá nome a um loteamento seu, é também criador de cavalos. Assim como Schneider, ele votou em Serra e agora votará em Dilma. “Está bom, andando bem. Hoje tem mais emprego, mais facilidade de buscar recursos. No social, houve bastante desenvolvimento e tem perspectiva para um futuro bom.” Seus dois negócios estão indo bem. “Programei para ter essa sequência. Se tiver mudança, pode prejudicar os negócios.” “Dilma não fez nada”, contra-ataca Inês Miola, de 54 anos, dona de supermercado. “Deu salário para prostituta e presidiário. Quanto mais mordomia para preso, mais vão fazer. Além de comer e dormir, vai ter salário? Já pensou o que vai virar o Brasil? Só vai ter preso e prostituta.” Uma sobrinha que a ajuda no supermercado arremata: “Ganha R$ 1 mil, R$ 2 mil. Vou me prostituir também”. Inês completa: “O Bolsa Família, quem não precisa está ganhando e para quem precisa eles não dão”. Ela lembra de ter votado em Geraldo Alckmin, candidato do PSDB em 2006. “Este ano, ainda não pensei em quem vou votar.” A aposentada Cenita Mokfa, de 76 anos, que já teve fazenda e lanchonete, caminhava com seu cachorrinho no colo na praça principal da cidade no meio de uma tarde ensolarada de quinta-feira. “Para endireitar, não está fácil”, diz ela. “Tá muito complicado o nosso Brasil. A saúde está muito ruim. A gente vê tantas pessoas morrerem na fila, sem atendimento. Está horrível para as pessoas pobres.” Mesmo assim, Cenita, que votou em Dilma, diz que quer continuidade: “Não adianta mudança”. Em seguida, pondera: “Tem uns candidatos bons. Vamos ver mais adiante. Ainda não decidi em quem vou votar.” Os dilemas de Cenita e de Machadinho são, em grande medida, os do Brasil.

Opinião por Lourival Sant'Anna

É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais

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