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''No futuro vai se concluir que critério racial é errado''

Ex-ministro de FHC rebate críticas de sociólogo e diz que fechou acordo com PT para garantir cota social no projeto do governo

Por Carlos Marchi
Atualização:

O deputado Paulo Renato (PSDB-SP) espera que, no futuro, o País conclua que o critério racial para estabelecer cotas nas universidades federais é errado e se decida a manter na lei apenas o critério de renda para ampliar o ingresso de alunos de grupos sociais desfavorecidos. Na semana passada, o deputado tucano, ministro da Educação no governo Fernando Henrique, fechou um acordo com o PT para juntar dois projetos e aprovar um modelo de cota social acoplado à fixação de cotas raciais para as universidades federais. Paulo Renato recebeu duras críticas do sociólogo Demétrio Magnoli, em artigo publicado ontem no Estado, por causa do acordo fechado com o PT. Ele acusou Paulo Renato de participar de "um conluio" para aprovar o projeto. "É uma questão objetiva política. Esse projeto seria aprovado de qualquer maneira", alegou ontem o deputado paulista. Ele reitera que não mudou de posição e diz que, com o acordo, conseguiu incluir no projeto do governo o critério de renda. Esse item constava de um projeto seu que iria a voto, mas tinha chances remotas de aprovação, já que o governo tem ampla maioria na Câmara. Eis a entrevista: O que aconteceu na Câmara? Quero antes falar do artigo. Ele é descontextualizado, injusto e agressivo. Minha história nunca foi de racismo ou de privilegiar qualquer corte racial em políticas que eu tenha implementado. Quando assumi o Ministério da Educação, nós tínhamos 13% das crianças fora da escola. Entre os mais pobres, 25% estavam fora da escola e 20% eram negros. A política de ações afirmativas que eu implantei não tinha a ver com cotas. Criei um programa de apoio a cursos pré-vestibulares voltados para os mais pobres. Esse tipo de ação afirmativa é mais importante que as cotas. Incluímos negros como nunca na escola. Por que o sr. mudou de posição agora? Eu não mudei de posição. Havia uma proposta, já aprovada no Senado, que estava pronta para ser votada no plenário da Câmara. E uma proposta exatamente igual, aprovada na Câmara há mais de dois anos, de cuja elaboração eu não participei, que também estava pronta para votar. As duas propunham uma cota de 50% para alunos da escola pública e, dentro dos 50%, cota racial, na proporção de cada raça no Estado em que se situar a universidade federal. Minha emenda era diferente. Ela propunha cota de 50% para alunos de escolas públicas e, dentro dos 50%, metade seria reservada para alunos de famílias com renda até 3 salários mínimos. Poderíamos ter ido a voto. Na semana passada, recebi uma proposta do PT, que sugeria um entendimento, porque eles também simpatizavam com a idéia da cota por renda. Fizemos um acordo: a lei fixaria 50% das vagas para alunos da escola pública, entrando a metade por critério de renda e, dentro da renda, virá o critério racial. O sr. acredita que a sociedade é dividida por raças? Não. O sr. acha que existem raças entre os homens ou existe apenas a espécie humana, como define a moderna biologia? Essa questão é muito mais para a antropologia do que para a política. Que todos são seres humanos, é óbvio. Mas também é óbvio que a própria Igreja Católica, há pouco mais de 100 anos, considerava os negros como animais. Isso nós não podemos desconhecer. Essa questão tem de ser tratada do ponto de vista objetivo. E objetivamente, no Brasil, é totalmente descabido nós esquecermos a questão racial, porque somos um país de grande miscigenação. É difícil achar um brasileiro que não tenha um componente de sangue branco ou negro. Se todos têm sangue negro e sangue branco, como separar quem é negro de quem é branco? Pois é, vai contra. Eu quero lembrar que a minha proposta foi de separar por renda. Apenas nós concordamos com um projeto que contemplasse os dois critérios, com o objetivo de vê-lo aprovado. Numa democracia, você tem de respeitar que existam outras opiniões. Para os intelectuais, às vezes é difícil enxergar esse ponto. As cotas raciais não estimulam um sentimento racista nas duas direções? É verdade. Por isso a minha proposta era eminentemente social, por renda. Contemplando o critério de renda, nós estaríamos automaticamente contemplando o critério racial também, porque há uma superposição entre a questão social e a questão racial. O articulista me atribui a função de ser o "defensor" da raça branca, porque os brancos estariam protegidos na proporção da população. Como é que se vai aferir o critério racial para preenchimento das cotas? Será por autodeclaração? Não é o meu argumento, é o argumento que me deu o ministro da Educação. A divisão será por proporção dentro de cada Estado. É de esperar que muita gente vá se autodeclarar negro, porque fica mais fácil entrar na cota, não? Não fui eu que coloquei isso no projeto. Aliás, esse projeto foi aprovado há três meses no Senado por unanimidade. Estão me atribuindo questões raciais que eu não defendo. Não fui eu que coloquei isso no projeto. Aqui é uma questão objetiva política. Esse projeto seria aprovado de qualquer maneira. Eu consegui incluir nele o critério de renda, o que abre a porta para, no futuro, se discutir e chegar à conclusão - eu espero que se chegue - de que o critério racial é errado e nós devemos manter apenas o critério de renda. Oxalá no futuro essa lei se torne inócua, porque o ideal é que nos tenhamos uma escola pública que prepare igualmente o aluno para o vestibular e que as cotas se tornem desnecessárias. Quem é:Paulo Renato Souza É deputado federal paulista, eleito pelo PSDB em 2006 Foi ministro da Educação no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso (1995/2002) Foi secretário de Educação de São Paulo (1984/86) Foi reitor (1986/1990) da Universidade de Campinas (Unicamp)

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