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Navarro avisa que não vai deixar a presidência do TRE-SP

Desembargador, que chegou a ser afastado do cargo, afirma nunca ter autorizado pagamentos a magistrados; confira a entrevista

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Por Redação
Atualização:

A insônia o atormenta. Alta madrugada, não raro, vai para o computador e se põe a escrever e escrever, às vezes até o dia chegar. O que tanto escreve esse homem de 68 anos naquele sobrado do Brooklin? "Eu escrevo com o fígado, esse é o problema, são lembranças que a memória resgata e são argumentos para rebater tamanha injustiça que estou sofrendo", diz o desembargador Alceu Penteado Navarro, presidente do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) de São Paulo.

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Atribui a crise que lhe rouba a paz a "uma disputa de poder de gente que nunca trabalhou pelo Tribunal de Justiça de São Paulo e quer vencer as coisas na delação".

Alvo de processo disciplinar no TJ, Navarro, 40 anos de toga, logo cedo envia a seus advogados os arrazoados que à noite produz. Mas eles, os defensores de Navarro, doutores de grande prestígio que são, diligentes na busca de brechas para neutralizar acusações - por mais severas que elas sejam -, corrigem os textos do desembargador, censuram-no, recomendam prudência para não alimentar o entrevero na corte.

Há duas semanas, o Órgão Especial do TJ decretou abertura de processo disciplinar contra Navarro, citado no escândalo dos contracheques milionários que beneficiou uns poucos magistrados - ele próprio recebeu R$ 640,3 mil em créditos antecipados, relativos a férias e licença premio não tirados a seu tempo.

O detalhe, e aqui a acusação faz fogo cerrado contra o desembargador, é que entre 2008 e 2010, quando o dinheiro caiu em sua conta, ele presidia a Comissão de Orçamento do TJ. Nessa condição, sustenta Ivan Sartori - presidente do Tribunal de Justiça -, Navarro exercia o papel de ordenador de despesa, ou seja, teria pago a si próprio valores excepcionais, de modo que passou à frente de toda a categoria.

Sartori, algoz de Navarro, fez de tudo para afastá-lo da presidência do TRE, até ofício encaminhou em 31 de maio comunicando sua ordem - que o Tribunal Superior Eleitoral tornou sem efeito porque a Justiça eleitoral tem jurisdição federal - logo, Sartori não tinha competência para tal ato.

Afastado de suas funções jurisdicionais no TJ, proibido de votar nas demandas da Seção Criminal - à qual pertence -, mas disposto a não desocupar a cadeira de mandatário máximo do TRE, Navarro tem 15 dias para apresentar sua peça de defesa e arrolar até oito testemunhas.

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A estratégia de Navarro para suplantar a demanda mais emblemática da história do maior tribunal do País está a cargo dos advogados Manuel Alceu Affonso Ferreira, Antonio Cláudio Mariz de Oliveira e Eduardo Carnelós.

O sr. vai deixar a presidência do TRE?Eu não vou sair do TRE por pressão, pela porta dos fundos. A pressão é muito grande, querem o meu cargo. Isso está muito claro. O TRE tem um prestígio quase igual ao do TJ, principalmente nessa época de eleições. Vou tocar normalmente minha rotina na corte, vou comandar o processo eleitoral de cabeça erguida. Tenho sob minha responsabilidade um colégio de 30,6 milhões de eleitores. Fui eleito presidente do TRE pelos meus colegas, 6 votos a zero. Como passar por cima de tudo isso se não pratiquei nenhum crime? Recebi verbas atrasadas do TJ e com motivação, gravíssimos problemas de saúde em família. São quase seis meses apanhando, mas o tribunal está virando. Estão vendo o meu sofrimento.

O procurador eleitoral disse há duas semanas que em tempos de ficha limpa o sr. não pode permanecer no TRE. Não é conflitante o fato de o sr. ter perdido suas funções no TJ e permanecer na presidência da Justiça eleitoral?Eu não tenho ficha suja. Não há nenhum conflito. Quando fui indicado para o TRE cessou a jurisdição do TJ, qualquer ingerência do TJ. Fui eleito por meus pares para a presidência do TRE, investido e tomei posse. São atos administrativos, complexos, de competência de uma jurisdição que não é do TJ. O fato de posteriormente ter sido afastado da minha jurisdição não significa que isso tenha efeitos retroativos para anular a minha gestão no TRE, muito menos para anular minha eleição. O Tribunal Superior Eleitoral disse que o ato é perfeito, o TRE entendeu por unanimidade que eu tenho condições morais de continuar (no cargo). Não deixei de ser desembargador, estou com as funções de exercício suspensas. Os advogados que atuam na área eleitoral bateram palmas para mim, a nata da advocacia eleitoral está a meu favor.

Vai ter tranquilidade para conduzir o processo eleitoral?Total tranquilidade. O processo eleitoral em São Paulo é monstruoso. Vamos convocar 450 mil mesários, 43 mil policiais. Vamos usar 87 mil urnas eletrônicas. Eu estou muito preocupado porque só tenho 90 mil urnas, ou seja, menos de 3 mil de contingência. Mas desde a minha infância, quando meu pai foi juiz eleitoral, eu convivo com essa situação.

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O sr. se arrepende de alguma coisa?Eu me arrependo de ter tentado ajudar tanto o tribunal e ficar com essa pecha infamante. Passei boa parte de minha carreira lutando por mais verbas para o tribunal. Perdi a conta das vezes que fui ao governo, ao Palácio dos Bandeirantes, pleitear recursos financeiros, jamais para proveito próprio. O tempo inteiro atrás de dinheiro para o TJ fazer frente às suas despesas de custeios e investimentos. Eu podia não ter ido para a Comissão (de Orçamento) e arrumado essa situação. Estou numa situação muito ruim.

O sr. está isolado?Sempre fui muito querido e respeitado. Fui eleito duas vezes seguidas, com a maior votação, para o Órgão Especial. Muitos colegas estão agora entendendo o meu drama familiar. Eles sabem que não cometi ilegalidade alguma. Não quero passar de vítima a algoz, meus advogados me orientam a não partir para o confronto, não fomentar atritos. Não consigo dormir, tomo remédio mas não adianta. Quando faço as anotações no computador, os advogados passam a caneta, 'exclua isso imediatamente', 'vai perder o apoio dos outros desembargadores'. Eu me comparei a Alfred Dreyfus (capitão do Exército francês, injustamente acusado e condenado por traição, depois anistiado e reabilitado, nos anos 30). Meus advogados ficaram enlouquecidos.

Tem apoio no TJ?São 25 desembargadores no Órgão Especial, 12 votaram contra o meu afastamento. Dos outros 12 que votaram pela minha saída, 6 ou 7, se tivessem sido consultados se votariam pelo meu afastamento isoladamente, com toda a certeza diriam não. Ele (Sartori) atropelou o julgamento. Tenho recebido sucessivas manifestações de solidariedade.

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O acórdão da Presidência do TJ diz que o sr. autorizou pagamentos em afronta aos princípios da moralidade e da isonomia.Eu afirmo que nunca me paguei, nem mesmo determinei pagamentos aos outros magistrados. A competência não era minha. A Presidência do TJ determinava expressamente que se pagasse. Minha função era verificar se tinha o dinheiro disponível. Eu não era ordenador de despesas, recebi delegação específica. Eu tinha delegação restrita da autoridade administrativa, que é o presidente do tribunal. O chefe do Poder é o ordenador, no caso o presidente do tribunal. O artigo 26 do Regimento Interno diz que compete ao presidente autorizar despesas e concessão de vantagens remuneratórias. O artigo 50 diz que o presidente da Comissão de Orçamento tem que expor ao presidente do tribunal se ele tem dinheiro ou não para gastar, conforme o exercício orçamentário.

O sr. é acusado de ter quebrado a isonomiaMuitos magistrados que receberam antecipadamente não foram processados. Sinceramente, não acho mesmo que devam ser processados porque os créditos pagos a eles são devidos, como os créditos que recebi a título de antecipações acompanhadas de prova cabal de necessidade. Este é um fato incontroverso. Meus advogados destacam que se houve quebra de isonomia ela se deu no momento em que alguns estão sendo processados e outros não. O presidente Sartori quer me desmoralizar, ele usa dois pesos e duas medidas. Estou me sentindo espremido por ele.

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Não havia uma regra para os pagamentos?Não tinha uma norma escrita que deferisse, que seguisse uma certa ordem. Vigorava um costume no tribunal de acudir aqueles com problemas, que é o meu caso. Era um costume antigo, de mais de 20 anos, o costume vira fonte de Direito. O próprio Sartori continua pagando, nos casos relativos a despesas com saúde.

O processo disciplinar pode forçar o sr. ao adeus à magistratura.Será uma grande desonra se me colocarem em disponibilidade. Quem quer sofrer um castigo desses, com 40 anos de judicatura, posto para fora, aposentado compulsoriamente? Seria a ruína da minha vida. Tem colega que já não me cumprimenta. Eu sei quem são meus amigos verdadeiros. Quando precisavam me procuravam, agora dão as costas. Está muito duro para mim. Como é que de uma hora para outra eu viro bandido? Não é tudo muito esquisito? Mas essa demanda vai parar no Superior Tribunal de Justiça, quem sabe no Supremo Tribunal Federal porque tem aí uma questão de ordem constitucional. O presidente (Sartori) fala em violação aos princípios do artigo 37 da Constituição. Mas ele está errado.

Qual o seu patrimônio?Nunca comprei nada na minha vida. Recebi por herança dois imóveis, um de meu pai, outro do meu sogro. Tenho dois carros, um pequeno de uso da minha mulher, outro maior, que fica comigo.

O que o sr. fez com os R$ 640 mil?Gastei quase tudo com remédios e tratamentos médicos para minhas filhas e minha mulher. Restam uns R$ 70 mil no banco. Está praticamente impossível de fazer prova (dos gastos) porque não consigo recuperar todos os recibos e os tíquetes das farmácias. São despesas de três anos atrás. Estou passando um aperto, vou ter que recorrer a empréstimos. Tem mês que só em medicamentos eu gasto R$ 7 mil. O Sartori mandou fazer a compensação, ou seja, não recebo mais as diferenças a que tenho direito. Ainda tenho um crédito de quase R$ 280 mil.

Como o sr. recebeu sua parte?Eu não recebi essa bolada de uma vez só. No primeiro ano do mandato do Vallim Bellocchi (ex-presidente do TJ, hoje aposentado) me pagaram R$ 58 mil. Depois, meus colegas viram a minha situação, as dificuldades que eu enfrentava, e recebi o restante, parceladamente. Não adquiri nada para mim.

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O acórdão cita 94 antecipações extraordinárias. O sr. autorizou todas?Quem mandava pagar era o desembargador Vallim Bellocchi. A grande maioria desses 94 procedimentos foi autorizada pelo Órgão Especial ou pelo Conselho Superior da Magistratura. Opinei em 9 casos. Dois não foram acolhidos pelo Conselho Superior da Magistratura porque não eram valores destinados à saúde, mas para compra de imóvel. Recomendei em favor de três viúvas de magistrados que estavam em situação desesperadora, tanto que uma já faleceu, depois de receber telefonema do Bellocchi.

Mas o desembargador Bellocchi afirma que as liberações partiam da Comissão de Orçamento.Só se mudou o Regimento Interno do TJ. Ele pode dizer isso quanto quiser. É defesa. Bellocchi mandava pagar, ele também sabia dos indeferimentos. Eu apenas tinha de dizer se havia dinheiro para gastar, conforme o exercício orçamentário, se sobrou. Eu fazia sugestões à direção do tribunal. Minha obrigação não era fazer pagamentos.

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