'Não desejo isso para ninguém', diz Cacciola sobre Bangu

Ex-banqueiro relata ao 'Estado' período em que ficou preso pelo caso Marka, mas diz que ex-governadores merecem estar presos

PUBLICIDADE

Por Mariana Durão
Atualização:

RIO - Pioneiro entre presos de colarinho branco em Bangu 8, o ex-banqueiro Salvatore Cacciola prefere esquecer o tempo em que esteve no novo endereço dos ex-governadores do Rio Sérgio Cabral e Anthony Garotinho. Há pouco mais de cinco anos, ele atravessou os portões do Complexo Penitenciário de Gericinó, em Bangu, zona oeste do Rio, vestindo calça jeans e camiseta branca, após cumprir em regime fechado três anos e 11 meses de sua pena.

"É horrível. Não desejo isso para ninguém. Não quero falar sobre Bangu. Deletei isso da minha vida, por isso ainda estou aqui", disse em rápida conversa com o Broadcast Político, serviço de notícia em tempo real da Agência Estado, por telefone. O trauma é tamanho que Cacciola preferiu não descrever as condições em que viveu no presídio, uma realidade ainda mais chocante para quem, como ele, frequentava as altas rodas da sociedade carioca antes da explosão do caso Marka. Na época da prisão, sua filha Rafaella Cacciola, relatou ao Estado que o pai estava em um galpão com beliches, com outros 32 presos. Todos dividiam o mesmo banheiro e uma única TV de 14 polegadas. A rotina de Cacciola era, segundo ela, tomar banho de sol pela manhã e ler à tarde. Em dia de visitas, a filha levava jornais. "Não tem muito o que fazer", contou. Segundo a reportagem, apesar de ser destinado a condenados com direito a prisão especial, Bangu 8 não tinha chuveiro de água quente nem cela individual. Se agora está movimentada pela chegada dos ex-governadores - no tempo de Cacciola Bangu 8 era considerada a prisão mais VIP do Rio. O dono do Marka tinha entre seus companheiros deputados, milicianos, bicheiros e o ex-chefe da Polícia Civil. Sua passagem por Bangu rendeu histórias curiosas. Uma delas diz que Cacciola pedia jantares em restaurantes caros, com iguarias como lagosta, salmão e frutos do mar. Um cardápio bem diferente do básico do presídio: arroz ou macarrão, feijão, farinha, carne branca ou vermelha, legumes, salada e refresco. Uma sindicância chegou a ser aberta para apurar a denúncia.Indignação. Cacciola foi para a cadeia anos antes da prisão de políticos, empreiteiros e executivos de grandes corporações virar notícia nas páginas dos jornais brasileiros. Questionado sobre como vê o atual momento do País e prisões como as de Cabral e Garotinho, Cacciola se mostrou indignado. "Eles são um bando de corruptos que merecem ser presos. Tenho a mesma raiva e ódio do povo brasileiro em relação a esses políticos", disse. Mesmo depois de ter tido sua pena extinta pela Justiça, em 2012, Cacciola parece se sentir injustiçado. "A minha prisão não tem nada a ver com a desses caras, que são um bando de ladrões. Fui o único banqueiro que foi preso no País. Os outros réus (do caso Marka) estão livres", disse. Em setembro deste ano, a juíza da 6.ª Vara Federal Criminal do Rio, Ana Paula Vieira de Carvalho, considerou que os crimes de cinco condenados pelo escândalo financeiro, dentre os quais o ex-presidente do Banco Central Francisco Lopes, estavam prescritos. Todos foram liberados de cumprir suas penas de prisão. Dono do Banco Marka, Cacciola foi condenado em 2005 a 13 anos de reclusão, por desvio de dinheiro público e gestão fraudulenta. O caso estourou na crise cambial de 1999, quando a maxidesvalorização do real levou o Marka e o FonteCindam à falência. Ambos apostaram na estabilidade da moeda e em contratos de venda no mercado futuro valor que extrapolava seu patrimônio. Coube ao Banco Central cobrir o rombo para evitar uma quebra generalizada do sistema bancário. O socorro gerou um prejuízo bilionário aos cofres públicos. As investigações apontaram ligação entre os membros da autoridade monetária e os sócios dos bancos. Após deixar Bangu, Cacciola morou em Porto Alegre (RS), chegou a trabalhar na ponte-aérea Rio-São Paulo e agora está no Rio "tentando salvar o pouco que restou" de seu patrimônio, contou sem dar detalhes. Segundo ele, até hoje seus bens estão bloqueados por uma ação popular e uma ação de improbidade que tramitam há 17 anos. Ele diz que não pensa em voltar para a Itália, país do qual tem cidadania e onde se refugiou antes de ser preso, em uma viagem ao principado de Mônaco. "A Itália está pior. Melhor ficar por aqui", disse bem-humorado.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.