‘Não consigo ter como ideal de Justiça uma espécie de Velho Oeste’, diz presidente da OAB

Felipe Santa Cruz critica mobilização do governo do presidente Jair Bolsonaro em defesa do excludente de ilicitude, que contempla a possibilidade de isentar de punição produtores rurais que atirarem contra invasores de terras

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Por Clarissa Oliveira e Gustavo Lopes
Atualização:
O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz Foto: NILTON FUKUDA/ESTADÃO

O presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, criticou a mobilização do governo do presidente Jair Bolsonaro em defesa do excludente de ilicitude, que contempla a possibilidade de isentar de punição produtores rurais que atirarem contra invasores de terras. Ao Estadão/Broadcast e à Rádio Eldorado, Santa Cruz disse vislumbrar uma espécie de “Velho Oeste” no Brasil, onde a população armada substituiria políticas de segurança pública. A seguir os principais trechos da entrevista:

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Diante da decisão do governo de avançar no excludente de ilicitude, o que se pode esperar como desdobramento? Não consigo ter como ideal de Justiça uma espécie de Velho Oeste, onde todos vão andar armados na sala de aula, na rua. Claro que entendo que em algumas situações, como no campo, isolado, o porte de arma é necessário. Agora, acho esta uma bandeira que não é civilizatória. Dizer que a polícia brasileira precisa de uma autorização para matar ainda mais? Uma polícia que já é uma das que mais matam no mundo? E das que mais morrem? Acho que as saídas para esta crise são mais complexas que pôr arma na mão de cada cidadão.

Como o sr. avalia o pacote anticrime do ministro Sérgio Moro Tem pontos positivos, como o banco de dados genético, a criminalização do caixa 2. Mas tem coisas que são mais do mesmo. É mais encarceramento, num sistema que tem 200% de superlotação e onde presos são mão de obra para organizações que têm seus líderes presos. Acho que precisamos de mais do que as medidas do ministro.

A OAB entrou com pedido que adiou o julgamento da prisão em segunda instância no Supremo Tribunal Federal. O que motivou isso? Sou parte, né? E parte da sabedoria de conduzir um processo é saber o momento ideal de ele ser julgado. Se sou um bom advogado, vamos descobrir em alguns meses (risos). 

Mas o STF decidiu numa direção e, agora, poucos meses depois, pode rever o entendimento. Não temos insegurança jurídica demais nesse tema? Não só nesse, em vários. É um país onde as regras mudam ao sabor do vento. Mas a OAB entende que o texto constitucional fala em prisão após o trânsito em julgado. Este é o texto da lei. Que se desafie uma PEC, se for possível. Mas o texto da lei é de uma clareza solar. 

O sr. é a favor de dar mais poder a órgãos de controle no combate à corrupção? Por exemplo, o Coaf deve permanecer no Ministério da Justiça?  Não sou especialista, mas em todos os lugares do mundo o Coaf é um órgão acessório da Economia e da Receita Federal. O que não se pode é criar uma supersecretaria de supervisão da vida privada onde as regras não funcionem de maneira transparente. 

O sr. é a favor de uma quarentena no Judiciário?  Sim, acho que temos que ter um bom tempo. Defendemos que a quarentena do juiz não é só dele. Se ele ingressa numa sociedade, por exemplo, a quarentena deveria ser do escritório todo. 

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O ministro Sérgio Moro deveria ter uma quarentena se for para o Supremo Tribunal Federal? Eu entendo que sim, mas aí por outra razão que eu não considero boa institucionalmente. O processo de seleção de ministro do Supremo acaba sendo um processo de seleção dos amigos do presidente. É um processo de escolha que precisa ser aprimorado. 

Houve exagero do STF no inquérito que apura fake news? Acho o episódio das fake news gravíssimo. Existe uma milícia virtual contra qualquer um que tente trazer questões mais complexas para o debate político. Você logo é tachado de comunista. Agora, o que ocorreu – e a Ordem tem posição pública sobre isso – é o erro de isso tudo ser confundido com a questão da liberdade de imprensa.