Na lavoura de cana, 27 pessoas em 2 cômodos

Trabalhadores foram aliciados em PE, MA e PI e vivem em meio a esgoto

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Por Redação
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Num casebre na área rural de Sebastianópolis do Sul, a 510 km de São Paulo, 27 pernambucanos, maranhenses e piauienses dividem há seis meses dois cômodos com beliches improvisados e um único banheiro. Todos foram aliciados por agentes que prometeram casa, comida e emprego temporário nas lavouras de cana no interior paulista. José da Silva - nome fictício -, de 28 anos, e cinco trabalhadores haviam acabado de chegar ao alojamento na manhã de quarta-feira passada, depois de 12 horas de trabalho na madrugada num canavial, quando a fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego e da Procuradoria Regional do Trabalho apareceu. Foi a primeira blitz em São Paulo depois que a União retomou as operações contra o trabalho escravo no País, suspensas desde 22 de setembro. Foram fiscalizadas seis usinas e dois fornecedores de cana da região de São José do Rio Preto. Dois alojamentos acabaram fechados e 45 trabalhadores, transferidos para novos abrigos. Do lado de fora do casebre, o esgoto corria a céu aberto. Filhotes de porco transitavam livremente ora na cozinha ora no esgoto, fuçando nos restos de comida. "Temos encontrado situações como essa em várias regiões do Estado", disse o auditor fiscal João Batista Amâncio. Apesar da precariedade, cada trabalhador paga R$ 32 de aluguel. A viagem de três dias até São Paulo custou R$ 260 e foi descontada do salário. A alimentação também fica por conta própria. Com todos as despesas, Silva diz sobrar muito pouco dos R$ 720 que recebe todo mês. Nos canaviais, a precariedade é ainda maior. Os migrantes têm de cumprir jornada inegociável: 12 horas de trabalho para cortar ao menos 200 metros de canavial, se quiserem ganhar R$ 30 por dia. Muitos contam que os equipamentos de segurança não têm sido repostos. Dificilmente, entretanto, eles resistem a sete, oito meses de colheita. O piauiense Silva, que nunca tinha trabalhado num canavial, não conseguiu. Teve dia em que cortou o equivalente a R$ 3 e pediu para mudar de tarefa. Virou "bituqueiro" (recolhe caules de cana aproveitáveis e que não foram cortados o suficiente). "Pensei que fosse mais fácil, mas é ruim do mesmo jeito. No escuro a gente quase não consegue ver." Reclamação dá demissão por justa causa, como ocorreu recentemente com sete pernambucanos. O caso é investigado pelo Ministério Público do Trabalho. "Iria embora agora se tivesse dinheiro para o ônibus. Conheci dois cabras que tinham vindo pra cá, mas não disseram que era assim. Eu vou contar", diz Silva.

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