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Na Europa, retomada pós-covid inclui meio ambiente

Trajetória do bloco europeu em direção a uma economia mais sustentável já completa 20 anos

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Por Luciana Dyniewicz
Atualização:

Foram necessários quatro dias e quatro noites de negociações – e tensões – para os países da União Europeia chegarem ao acordo histórico de 750 bilhões de euros (R$ 5 trilhões ou o equivalente a 50% do PIB brasileiro) que devem impulsionar a retomada econômica do bloco no pós-pandemia. Além do valor colossal, o pacote chamou atenção por destacar que a recuperação dos países membros será alavancada por investimentos na economia verde – um modelo que, segundo especialistas, poderia ter medidas copiadas pelo Brasil.

Bandeiras da União Europeia Foto: Yves Herman/Reuters

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A trajetória do bloco europeu em direção a uma economia mais sustentável já completa 20 anos e esta não é a primeira vez em que a União Europeia usa o meio ambiente para fomentar sua economia. Essa também foi a estratégia adotada depois da crise de 2008 e 2009. A diferença agora é que existe, de fato, um plano para transformar a economia, que vinha sendo elaborado já há alguns anos.

“Os estímulos anteriores não foram estruturados como uma estratégia maior. Agora, tem setores identificados, recursos e ações pensados para mudar a agricultura, a mobilidade, a energia. Tudo está sendo pensado em mais detalhes e o mais importante é que é um projeto construído com a sociedade, que foi consultada nos últimos anos”, diz a economista da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) e especialista em meio ambiente Camila Gramkow.

A pandemia deu, portanto, impulso a uma transformação que vinha ocorrendo. Entre as medidas que fazem parte do programa de recuperação da União Europeia estão não só subsídios a projetos e empresas sustentáveis, como também impostos sobre atividades “sujas”. Em janeiro, por exemplo, deverá entrar em vigor um imposto sobre plástico não reciclável. Para cada quilo do material jogado fora, cada país terá de pagar ao bloco 0,80 centavos de euros.

O documento que traça o projeto de recuperação da União Europeia fala ainda em estudar uma redução do limite da emissão de gases com efeito estufa e canalizar pelo menos 30% do orçamento ordinário do bloco e do plano de reconstrução para apoiar projetos climáticos.

“O norte da ação da União Europeia é que todos os euros têm de ir para transformar nossas empresas e nossas economias em algo mais sustentável. Essa aposta que fazemos para uma economia mais verde não vai em detrimento da nossa capacidade de crescer. Ao contrário, diz o embaixador da União Europeia no Brasil, Ignacio Ybáñez.O bloco calcula que, se cumprir com seus objetivos na área do clima e da energia até 2030, poderá ter um aumento de 1% no PIB e criar quase um milhão de empregos “verdes”. Para isso, deverá, por exemplo, financiar a instalação de um milhão de pontos de carregamento de veículos elétricos.

Brasil

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Ybáñez acrescenta que a intenção da União Europeia é, também, colaborar com a transformação verde de países de fora do bloco. Segundo ele, o Brasil poderia seguir o exemplo europeu através do Pró Brasil, programa que o governo Jair Bolsonaro está desenvolvendo e que deve englobar a nova versão do Bolsa Família, a desoneração da folha de salários de empresas e possivelmente uma reforma administrativa. A proposta de incluir um pacote de investimentos públicos, em linha com o que está sendo feito na Europa, no entanto, é rejeitada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, e deve ser abandonada para não aumentar o déficit fiscal do País.

Para a economista Camila Gramkow, uma proposta europeia mais simples que poderia ser copiada aqui é a criação de um selo verde. Empresas com boas práticas ambientais receberiam a certificação, que guiaria investimentos públicos nos pós-pandemia.

“Seria uma forma de aproveitar o momento em que existe o reconhecimento da importância do papel do Estado para melhorar a competitividade das empresas, porque é realmente necessário pensar em como o Brasil vai sair do outro lado da crise. Vamos ter uma economia mais competitiva, responsável e inclusiva?”, diz Camila.

Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro com estudos na área de economia ambiental, Carlos Eduardo Young destaca que a União Europeia percebeu que, não podendo competir com a manufatura chinesa, deveria apostar no desenvolvimento de tecnologias verdes como seu diferencial de competitividade.

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“A questão ambiental pode ser o pulo do gato”, diz ele, que acrescenta que o Brasil tem ido na direção contrária. “O Brasil está se especializando cada vez mais na produção agropecuária e na mineração, com os problemas ambientais que são consequências disso. Continuando assim, teremos mais casos como Brumadinho e Mariana”, afirma Young, para quem, o teto dos gastos é um entrave à transformação verde.

Impacto negativo

A ministra do Meio Ambiente entre 2010 e 2016, Izabella Teixeira, destaca que apostar em soluções econômicas antigas, que emitem muito carbono na atmosfera, pode fazer com que o financiamento das empresas brasileiras se torne mais caro no futuro, dado que a preocupação com o meio ambiente tem aumentado entre investidores.

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“Se o País investir em soluções que vão estar fora do jogo, o dinheiro pode ser mais caro, e você estará, na realidade, empurrando com a barriga uma transformação que poderia estar sendo pensada estrategicamente agora.”

Izabella lembra que os países europeus estão transformando a indústria da aviação ao exigir que as empresas aéreas que receberam subsídios públicos durante a crise reduzam o consumo de combustível fóssil. “A União Europeia está acolhendo uma mudança que está chegando, enquanto outros países estão discutindo como adiar o futuro ou brigando com o passado, como o Brasil.”

Líder do Núcleo de Meio Ambiente e Mudança do Clima no Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI), Izabella diz, no entanto, que as reações da sociedade brasileira têm pressionado o governo a mudar seu discurso contra o meio ambiente e podem ajudar na transformação da economia para um modelo sustentável.

“O Brasil não é só o governo federal. As instituições e a sociedade pressionam, Mas tudo poderia ser feito de maneira mais tranquila, coordenada e cooperada com a sociedade civil e com a ciência, como foi nos últimos 35 anos.”

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