BRASÍLIA - A ausência de uma estrutura partidária que dê espaço para a candidatura de mulheres tem dificultado a participação feminina no comando das diferentes esferas do Poder Executivo no Brasil. No ritmo atual, a igualdade de gênero na titularidade das prefeituras só chegará em 20 anos e meio, segundo o Ranking Nacional de Presença Feminina no Poder Executivo 2018, produzido pelo Projeto Mulheres Inspiradoras (PMI). Na esfera estadual, o quadro é ainda mais crítico: a igualdade entre governadores e governadoras só chegará em 2065, ou seja, em mais de 47 anos.
A diretora-executiva do PMI, Marlene Machado, afirma que a própria estrutura dos partidos, com pouca ou nenhuma representatividade feminina em seus comandos, coloca as mulheres em posição desfavorável na disputa política. É comum que, sem espaço de articulação nas costuras internas de cada legenda, elas sequer consigam ingressar na disputa pelos cargos. O objetivo do relatório, segundo Marlene, é dar um alerta sobre a necessidade de criar espaços para a atuação feminina na política brasileira. A diretora-executiva afirma que o recente assassinato da vereadora Marielle Franco também serve de advertência à sociedade.
+ Projeto quer instituir cotas para mulheres em conselhos administrativos "A violência contra a mulher ainda é muito grande. O caso da vereadora foi uma tragédia para o País e serve de alerta para todos nós de que temos de refletir e pensar sobre as mudanças. Temos que entender que a mulher tem que estar em todos os lugares", afirmou. O Brasil ocupa a 161ª posição num ranking de 186 países que tiveram a participação feminina no Poder Executivo avaliada pelo relatório, que será divulgado oficialmente amanhã. O resultado mostra que a inserção das mulheres brasileiras nesses cargos é a pior da América Latina e está abaixo de países como Paraguai, Nigéria, Etiópia e até Síria, que enfrenta uma guerra civil após a deflagração de movimentos pró-democracia. No top 10 do ranking estão nações como Chile, até o início deste mês presidido por Michelle Bachelet, Reino Unido, que tem Theresa May como primeira-ministra, e Alemanha, chefiada por Angela Merkel desde 2005. O Brasil teve até hoje apenas uma presidente mulher: Dilma Rousseff. Nas eleições de 2014, elegeu uma governadora entre as 27 unidades da federação: Suely Campos, em Roraima. Em 2016, foram 639 prefeitas eleitas entre os 5,5 mil municípios, sendo que 68% das cidades sequer tiveram candidatas mulheres ao cargo. Nenhuma capital é administrada por mulher no Brasil.
+ Entre hormônios e política, o que importa mais para ter mulheres na política? "Nós temos a questão cultural, mas um problema também é a questão da estrutura partidária. Quem está no comando dos partidos é o sexo masculino. As mulheres teriam que ter participação também no comando dos partidos. Elas têm que ter vida partidária, temos que chamar essas mulheres para o debate. Tempo de televisão, fundo partidário, tudo isso precisa ser repensado para que a gente atinja a igualdade de gênero", diz a diretora-executiva do PMI. Uma possível solução, segundo ela, seria a criação de cotas para mulheres nas executivas partidárias. "A mulher é maioria na população, entre chefes de família, no comando de empresas. Se somos maioria, por que ainda somos menos de 10% do Executivo? Temos que ter esse debate", afirma. A diretora diz que não vê o cenário se alterando para as eleições de 2018, mas ressaltou que ainda há tempo para tomar medidas nessa direção e, sobretudo, acelerar o processo de abertura de espaço para a participação feminina na política.
+ 'Foi um recado a todas nós', diz Djamila Ribeiro sobre Marielle Franco
Os autores do relatório analisaram o histórico de crescimento da participação feminina entre candidaturas e recebimentos de votos nos Estados e municípios. Chegaram à conclusão de que o crescimento médio da representatividade das mulheres na disputa para o cargo de governador foi de 5,7% ao ano, considerando o período de 1994 a 2014. Diante desse quadro, a estimativa é que o País levará 47 anos e nove meses para chegar à igualdade de gênero nessa esfera.
"É um tempo muito grande", afirma Marlene. Nos municípios, o avanço da representatividade foi de 6,92% entre 1996 e 2006. Por isso o caminho a ser percorrido até a igualdade de gênero nos municípios tende a ser menor, ao longo de 20 anos e meio.