MPF denuncia 6 pela morte de Vladimir Herzog

Decisão está baseada em sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos, de 2018; jornalista morreu nas dependências do DOI

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Por Marcelo Godoy
Atualização:

Após determinação da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), o Ministério Público Federal (MPF) apresentou ontem denúncia criminal contra militares, policiais, peritos e um procurador de Justiça sob a acusação de terem participado da tortura e assassinato do jornalista Vladimir Herzog e, posterior, fraude processual e acobertamento dos autores do crime. Trata-se da primeira vez – 45 anos depois do delito – que uma acusação formal é apresentada à Justiça. 

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A tramitação do caso Herzog se difere de outras denúncias apresentadas pelo MPF contra militares e policiais envolvidos nos crimes cometidos contra opositores na ditadura militar. Isso porque uma decisão da CIDH em 2018 determinou que o Estado brasileiro investigasse, processasse e punisse os autores do delito ocorrido em 25 de outubro de 1975 nas dependências do Destacamento de Operações de Informações (DOI), do 2.º Exército (SP).

O DOI apurava a relação de jornalistas com o Partido Comunista Brasileiro (PCB), então clandestino. O MPF acusa na denúncia dois militares pelo assassinato: o então chefe da 2.ª Seção do 2.º Exército, coronel José Barros Paes, e o então comandante do DOI, coronel Audir Santos Maciel. “O homicídio praticado pelos denunciados foi cometido com emprego de tortura, consistente na inflição intencional de sofrimentos físicos e mentais agudos contra a vítima, com o fim de intimidá-lo e dele obter informações”, escreveu a procuradora da República Ana Letícia Absy. 

Os dois coronéis são ainda acusados com o carcereiro Altair Casadei de fraude processual porque teriam montado a cena do crime para induzir a Justiça a acreditar que o jornalista se matara. Os então médicos-legistas Henri Shibata e Arildo de Toledo Viana são acusados de fazer uma falsa perícia para encobrir o crime.

Por fim, o procurador Durval Ayrton Moura de Araújo é acusado de prevaricação porque teria ajudado a encobrir o crime, deixando de fazer constar nos depoimentos das testemunhas as denúncias de tortura contra o DOI. Os depoimentos faziam parte do Inquérito Policial-Militar (IPM) do Exército que apurou o caso. O IPM concluiu que o jornalista se suicidara.

O Estado não conseguiu localizar os acusados ou seus advogados. Presidente na época dos fatos, o general Ernesto Geisel disse em entrevista que a morte de Herzog foi um assassinato. 

A maioria das denúncias apresentadas até agora pelo MPF à Justiça Federal sobre os delitos da época têm sido rejeitadas pelos tribunais sob a alegação de que os fatos foram anistiados em 1979. Em 1992, o Ministério Público Estadual (MPE) abriu dois inquéritos sobre o caso, mas ambos foram trancados por decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo.

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Em 2010, o Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) que questionava a legalidade da extensão da anistia para os agentes do regime militar. Manteve assim a anistia aos crimes políticos e conexos. 

Para a CIDH, o caso Herzog, por ser um delito contra a humanidade, é imprescritível e não passível de anistia. Ela ainda considerou que a decisão do STF de 2010 não considerou a imprescritibilidade dos delitos contra a humanidade. Além disso, por força do tratado, o Brasil seria obrigado a cumprir as decisões da Corte, pois é signatário da Convenção Interamericana de Direitos Humanos.

No julgamento do caso na CIDH, a defesa do Brasil alegou que o caso não podia ser reaberto em razão da prescrição e pelo fato de ser “coisa julgada”. Para a defesa, os argumentos de irretroatividade da lei penal e de non bis in idem (princípio pelo qual uma pessoa não pode ser punida duas vezes pelo mesmo fato) estavam de acordo com a Convenção. Em 2018, após a decisão da CID, o MPF abriu o inquérito que levou à denúncia.

Caso a 1.ª Vara Federal Criminal rejeite a denúncia ou se a acolher, deve haver recurso aos tribunais superiores. O Estado ouviu um dos ministros do STF que participaram do julgamento de 2010. Para ele, a coisa está julgada e a Corte não deve mudar sua decisão mesmo com a decisão da CIDH.

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