MP de Contas pede que TCU investigue interferência política de Bolsonaro no Exército

Órgão diz que Força descumpriu estudos técnicos da PF e auditoria do próprio TCU para se submeter a Bolsonaro

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Por Idiana Tomazelli e Patrik Camporez
Atualização:

BRASÍLIA – O Ministério Público do Tribunal de Contas da União solicitou que a corte abra uma investigação para apurar possível interferência política do presidente Jair Bolsonaro no Exército. Conforme revelou o Estado na última segunda-feira, Bolsonaro também é investigado pelo Ministério Público Federal por determinar a revogação, por parte da Força, de três portarias que tratavam do controle e do rastreamento de armas e munições.

Em despacho ao qual o Estado teve acesso, o MP de contas sugere que o presidente da República cometeu “grave violação” dos princípios administrativos ao tomar para si atribuições que são de exclusividade da Força. A avaliação é de que Bolsonaro estaria “interferindo politicamente” na Força.

O presidente da República, Jair Bolsonaro Foto: Dida Sampaio / Estadão

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Por esse motivo, o MP emitiu uma representação pedindo que o TCU decida “pela adoção das medidas necessárias a apurar a ocorrência de desvio de finalidade, caracterizando flagrante e grave violação aos princípios administrativos da impessoalidade e da moralidade”.

O MP lembra que o TCU tem competências constitucionais de controle externo de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da administração pública federal. Por isso, pede que a Corte decida pela adoção das medidas necessárias para apurar a informação de que o Comando do Exército, em atendimento à determinação do Presidente da República, revogou três portarias que haviam sido editadas pelo seu Comando Logístico, para tratar do rastreamento de armas e de munições.

O MP diz que uma inovação trazida na portaria, agora revogada, era a obrigação de que estojos adquiridos com finalidade de recarga de munição também deverão possuir o código de rastreabilidade. “Atiradores desportivos e clubes de tiro costumam recarregar munição em estojos sem marcação”, diz. 

A portaria também determinava que somente munições do mesmo tipo e calibre podem ser inseridas no mesmo número de lote. Deixava claro, ainda, que o tamanho máximo dos lotes de munição marcada com um mesmo código será de 10 mil unidades, para facilitar o rastreamento. Mas abria a possibilidade de lotes ainda menores, de mil projéteis.

Pressão pela categoria dos caçadores, atiradores e colecionadores

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A representação aponta para a possibilidade de o anúncio de Bolsonaro nas redes sociais, sobre a revogação, ter sido resultado da pressão feita pela categoria dos caçadores, atiradores e colecionadores, chamada pela sigla CAC. “Eles sempre se colocaram como base de apoio do presidente e contrários a medidas que amplie o controle de munições”, diz o despacho.

O órgão cita que a Constituição diz que compete ao Comando do Exército autorizar e fiscalizar a produção, a exportação, a importação, o desembaraço alfandegário e o comércio de armas, munições e demais produtos controlados no território nacional; manter banco de dados atualizado com as informações acerca das armas de fogo, acessórios e munições; editar normas; dispor sobre a forma de acondicionamento das munições em embalagens com sistema de rastreamento; dispor sobre a definição dos dispositivos de segurança e de identificação; controle da produção, da importação, do comércio e da utilização de simulacros de armas de fogo.

“Revela-se patente e inquestionável, pois, a legitimidade do Comando do Exército para expedir normas que possibilitem a adequada implantação do controle e do rastreamento de armas e munições previstos na Lei 10.826/2003. E foi exatamente isso o que fez o Comando do Exército mediante a edição das ora consideradas Portarias Colog 46, 60 e 61/2020. Há notícias de que a decisão de revogar aquelas portarias não se pautou em critérios técnicos, mas, sim, em posicionamento político do Presidente da República decorrente de pressão exercida por clubes de colecionadores, atiradores e caçadores”, destaca o documento, assinado pelo procurador Lucas Furtado.

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Descumprimento de estudos. Ele ressalta que as Portarias 46, 60 e 61 foram editadas após longo período de estudos e discussões entre o Comando do Exército, o Ministério Público Federal e a Polícia Federal, tendo como parâmetro o trabalho de fiscalização realizado pelo próprio TCU. “Refiro-me à auditoria operacional de avaliação de controles internos do Sistema de Fiscalização de Produtos Controlados a cargo do Comando do Exército”, diz. 

A auditoria de que trata o procurador culminou com uma série de recomendações ao Exército, que mais tarde viriam resultar na edição das portarias, que foram revogadas a mando do presidente.

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