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Morte de JK faz 30 anos

Por Agencia Estado
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O Chevrolet Opala cinza metálico, ano 1970, corria a mais de 100 por hora, quando levou uma fechada de um ônibus da Viação Cometa, no KM 165 da Via Dutra, altura de Resende, no sentido São Paulo-Rio. Desgovernado, o carro atravessou a pista e bateu de frente com uma carreta da cidade de Orleães, SC. No amontoado de ferros retorcidos e vidros estilhaçados, os corpos ensangüentados do ex-presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira e de seu motorista Geraldo Ribeiro ficaram irreconhecíveis. Eram de um domingo, 22 de agosto de 1976. Acidente rodoviário numa das rodovias mais perigosas do País ou crime político premeditado? O caso está encerrado, processo arquivado no Museu da Justiça do Rio de Janeiro, mas dúvidas e incertezas continuam 30 anos depois. A perícia policial e uma comissão de investigação da Câmara dos Deputados concluíram pela primeira hipótese - acidente - contra todas as suspeitas levantadas na época. Responsabilizado pela tragédia, o motorista do ônibus, Josias Nunes de Oliveira, foi julgado duas vezes e absolvido. Dona Sarah Kubitschek e uma de suas filhas, Márcia, morreram acreditando em homicídio doloso. Foi Márcia quem sugeriu a seu genro, o então deputado, hoje senador Paulo Octávio Alves Pereira, a criação de uma comissão parlamentar para investigar as circunstâncias da morte do pai. Conclusão das investigações, depois de sete meses de trabalho: foi mesmo um acidente rodoviário, embora o nome de Juscelino constasse da agenda da Operação Condor, que caçava e eliminava opositores às ditaduras no Cone Sul. Nascido em 12 de setembro de 1902, na cidade mineira de Diamantina, Juscelino completaria 74 anos três semanas depois . Não estava bem de saúde - depois de ter sofrido vários enfartes, tinha hipertensão arterial , gota e diabetes - e enfrentava uma crise no casamento. Estava indo ao Rio para encontrar uma antiga paixão, Maria Lúcia Pedroso. Avisou ao motorista que precisava chegar incógnito, supostamente para não magoar Sarah, sua mulher, que falava em desquite. Com certeza não tinha mais pretensões presidenciais, depois de ter sido cassado em 1964, quando se preparava para tentar um segundo mandato. Mas fazia política, recebendo amigos na Fazenda JK, município de Luziânia, a menos de 100 quilômetros de Brasília, ou se reunindo com eles e até com adversários em Belo Horizonte, Rio e São Paulo. Um de seus principais colaboradores, Affonso Heliodoro dos Santos, que foi chefe da Casa Militar no governo de Minas e subchefe da Casa Civil na presidência da República, foi intermediário em um desses contatos. ?Fui portador de um recado ao Juscelino de que o general Ernesto Geisel queria conversar com ele?, revela Affonso Heliodoro, coronel reformado da Polícia Militar. Juscelino disse que estava interessado no encontro e prometeu marcá-lo quando voltasse de São Paulo. ?Era agosto de 1976, uns dias antes de morrer na estrada?. Aos 90 anos, presidente do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal, o amigo, conterrâneo e assessor que tão bem conhecia Juscelino - despachava com ele até no banheiro, enquanto o presidente fazia a barba às 6h30 da manhã - acredita que não foi apenas um acidente o que ocorreu na Via Dutra. ?Para mim, houve um acidente programado, ou seja, estou convencido de que Juscelino foi assassinado, embora eu não tenha provas disso?. Para Affonso Heliodoro, ?esse caso só vai ser esclarecido quando alguém disser que participou da trama?. O pesquisador e historiador Ronaldo Costa Couto, que foi secretário de Tancredo Neves em Minas e ministro do presidente José Sarney, estuda a questão há cinco anos e também não chegou a nenhuma conclusão. ?Não tenho resposta completa nem sei se terei?, diz ele, prometendo publicar um dia a sua versão. Seu livro ?Brasília Kubitschek de Oliveira?registra os últimos passos de JK e, depois, as dúvidas e suspeitas sobre as circunstâncias do acidente. ?Juscelino estava doente, mas cheio de sonhos?, observa Costa Couto, para argumentar que, se o ex-presidente ainda sonhava e tinha um papel na transição para a democracia, faz sentido a hipótese de que tenha sido vítima de um atentado, como alegam aqueles que lembram a Operação Condor. ?Conferindo o inquérito policial e tendo em conta as circunstâncias, admite-se que foi mesmo acidente, mas as suspeitas crescem quando se olha o conjunto - a ditadura e os boatos sobre a morte de JK, que corriam duas semanas antes?, diz o pesquisador. Costa Couto lembra conjecturas que sustentaram a hipótese de assassinato. ?Falou-se, por exemplo, em sabotagem, pelo fato de Juscelino ter parado num hotel-fazenda, o Villa Forte, alguns quilômetros antes do local do acidente?. Isso apontaria para a possibilidade de alguém ter mexido no Opala, enquanto seus dois ocupantes entravam no hotel. Outra suspeita: o motorista Geraldo Ribeiro teria sido alvejado com um tiro na cabeça. Exame feito em Belo Horizonte, com a exumação do corpo, não confirmou. As investigações policiais cessaram em agosto de 1996, por prescrição, vinte anos após a morte de Juscelino. Apesar disso, a comissão presidida por Paulo Octávio retomou o caso em 2000. ?Investigamos tudo, desde arquivos do antigo SNI (Serviço Nacional de Informação) até documentos no exterior, e chegamos à conclusão de que foi mesmo acidente. Juscelino morreu por questão de segundos, quando o carro desgovernado atravessou para a outra pista e bateu na carreta. Ninguém poderia fazer um cálculo como esse, foi uma fatalidade?, disse o senador. Contribuiu ainda para as suspeitas o fato de o corpo de Juscelino ter sido encoberto de flores e transportado num caixão lacrado, depois de passar pelo Instituto Médico Legal do Rio. Isso ocorreu, segundo Costa Couto, não para impedir que o povo visse o presidente, mas porque o corpo ficou muito deformado. Cinco anos após o sepultamento em Brasília, onde cerca de 100 mil pessoas o acompanharam até o Campo da Esperança, os restos mortais do ex-presidente foram transferidos para o Memorial JK.

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